Opinião Hortalices - Os campos e as hortas de Ferreira de Castro Publicado há 2 mesesCelestino Pinheiro2 meses atrás • Favoritos: 41 Abrimos um livro de Ferreira de Castro e encontramos Manuel da Bouça sonhando com “os campos que se estendiam, planos, bem regados, até próximo da igreja velha” de Ossela. Ficamos a conhecer o seu grande sonho de “ser dono” desses campos, para poder realizar o seu projeto de vida. Manuel da Bouça cedo percebeu que, pelo caminho que o país levava, “sem sair dali, sem procurar fortuna noutras terras, jamais conseguiria realizar a ambição.” O Brasil foi o destino natural, dele e de muitos outros. Depois, acompanharmos o calvário de nove anos da sua aventura brasileira, cheia de peripécias e desventuras, vemos Manuel da Bouça, regressar a Oliveira de Azeméis, no Vouguinha, colocando à vista de todos o tamanho do seu falhanço. Era um regresso sem os campos com que sonhara, sem palacetes, e, pior do que tudo, com o orgulho ferido de um falhado. Por isso, dias mais tarde, vemo-lo partir de novo, numa camionete ronceira, rumo a lado nenhum. Lado nenhum é o destino dos que fracassam. Abrimos mais um livro de Ferreira de Castro e encontramos outro emigrante, Alberto, fugido de Portugal por razões políticas. Depois de desventuras várias na Selva amazónica, desembarcou no seringal Paraíso que, de paraíso, só tinha mesmo o nome. Ali se juntava a borracha que escorria das seringueiras, recolhida por miseráveis migrantes vindos de outras zonas do Brasil, do Ceará, do Maranhão e de Pernambuco. Depois de ter calcorreado com eles as sendas que ligavam uma seringueira à outra, Alberto conseguiu um lugar no armazém do seringal. A vida tornou-se mais suave, cultivava a horta a meias com Dona Yáyá, criou amizades e dedicava-se à leitura dos livros que trouxera. Mas nada lhe fazia esquecer a terra onde nascera. E, logo que a oportunidade surgiu, ei-lo de regresso a Portugal. O universo de Ferreira de Castro é feito de sonhos, muitos deles desfeitos, de dureza de vida, tudo relatado pela enorme sensibilidade do escritor, ele próprio sujeito de muitas das situações que relata nos seus livros. “A Selva” e “Emigrantes” transportam-nos para uma realidade hoje tão presente nas notícias das nossas televisões, nos jornais e no discurso dos nossos políticos. Ao lermos Ferreira de Castro lembramo-nos que, para lá dos discursos e dos números, há homens como Manuel da Bouça e Alberto, que vivem os seus próprios dramas e acalentam os seus próprios sonhos. Quantos desses sonhos se transformam em pesadelos! 41 Recomendações0 partilhasPartilharTweetMarcarCopiar linkE-mailImprimir