“Comi um naco de broa e chamei-lhe um figo!” Quem disse isto achou a broa deliciosa. Mas que terá o figo de tão especial, para que possamos fazer metáforas destas, quando comemos qualquer coisa que nos sabe bem?
O figo é o fruto da figueira e, na minha vegetal opinião, a figueira e o figo são dois dos elementos mais misteriosos do mundo arbóreo. A madeira macia e molengona, a seiva leitosa e as variedades com comportamentos produtivos muito diferentes, tornam-na uma árvore estranha. Dizia-se que era a única árvore que dava fruto sem dar flor, o que é falso, porque a flor da figueira desenvolve-se dentro do figo, sem que a vejamos. É uma flor tímida! No Evangelho, a figueira aparece várias vezes e sempre por más razões, normalmente por não ter frutos. A história e a ciência que vos apresento a seguir podem ajudar a explicar as evangélicas queixas.
Havia na minha infância uma figueira cujos figos não amadureciam e acabavam por cair, assim verdes e secos, intragáveis. Uma vez vi que alguém pendurou à volta da dita figueira um cordão de linha de costura, ornamentado com figos bravos, de outra figueira. Era uma figueira vaidosa! Mas, nesse ano, os figos não caíram como habitualmente. Pelo contrário, amadureceram e eram deliciosos. Quanto à explicação, não a tinha. Quem pendurou os figos naquele colar também não devia saber por que o fazia. Para mim, era uma espécie de magia.
Durante muitos anos, aquele episódio permaneceu-me na memória. Muito tempo depois, já na era da internet, não sei a que propósito, lembrei-me de investigar o fenómeno do colar de figos na figueira vaidosa. Nessa altura, descobri uma nova palavra e a sua explicação: “caprificação”. E fiquei contente por desvendar o mistério, apesar de ver destruída a magia da minha infância.
O que é a caprificação e como se explica? Entre os cinco grupos da Ficus carica há uma espécie de figueira com dois tipos de árvores diferentes: a figueira baforeira produz figos não comestíveis e a figueira doméstica produz figos comestíveis. Mas, para que os figos da figueira doméstica possam amadurecer, têm que ser fertilizados pelo pólen dos figos da baforeira. Quem faz esse trabalho é um inseto minúsculo que passa do interior dos figos bafordos para o interior dos figos domésticos, fertilizando-os. Como estes dois tipos de figueira nem sempre coexistem no mesmo espaço, a solução é pendurar colares de figos bafordos à volta das figueiras domésticas. E teremos então figos deliciosos.
Não sei que voltas deu a ciência agrícola, para fazer esta descoberta. A história humana é feita de muitas descobertas cujo caminho nunca conheceremos. Mas, a esta descoberta poderemos “chamar-lhe um figo”, ou milhares de figos!