Hortalices - Hortas ucranianas: o aneto e outra diferença

O meu olhar é o da câmara fotográfica. Um homem vagueia por entre os destroços de uma casa, numa qualquer aldeia ucraniana. O nome pouco importa. À esquerda do homem, está uma árvore destroçada pela força de uma bomba. À sua direita adivinham-se pequenas plantas rasteiras. Imagina-se que havia ali uma horta, um quintal, um pequeno jardim. O resto são ruínas. O homem procura alguma coisa, impossível saber o quê. Se lhe víssemos a cara não adivinharíamos o que procura.
Há anos, na Escola Serafim Leite, dei aulas a imigrantes de várias origens, a maior parte dos quais ucranianos. No final do curso, fizemos um convívio, com iguarias dos vários países presentes. Eles levaram pratos deslumbrantes para a vista e para o palato, com temperos e confeções desconhecidos dos meus sentidos.
Ao ver este homem vaguear por entre os destroços da sua casa e do seu quintal, lembrei-me desse convívio.
Antes de escrever este texto, perguntei ao meu amigo Mykhaylo o que é que os ucranianos cultivam nas suas hortas. A resposta foi extensa, falava de “cebolinho, beringela, courgette, tomates, pepinos, pimentos, cenoura, rabanete, alho, alface, couve, brócolos, nabo, ervilhas, feijão, favas e, como ervas aromáticas, a salsa e o aneto.” As hortas ucranianas são quase iguais às nossas, parece que o sabor do aneto (endro) é a única coisa que nos distingue. As mulheres e os homens ucranianos também são iguais a nós. Mas, nos tempos que correm, há também outra diferença, e enorme: nós podemos cultivar as nossas hortas e cuidar das nossas árvores, contando apenas com as adversidades da meteorologia.
Os ucranianos, além dos excessos do vento e da neve, do frio e da chuva, têm que contar com outras ameaças que vêm dos céus: os mísseis, os morteiros, as granadas e as balas, que ceifam vidas e que destroem casas, árvores e hortas.
Voltando à fotografia, continuo a interrogar-me sobre o que aquele homem procura entre os destroços.
É incerto que procure algum raminho de aneto para colocar sobre uma pratada de borscht. Mas há uma coisa que, de certeza, ele gostaria de encontrar: a Paz.