Opinião

Hortalices - Até das uvas se faz vinho

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A frase que faz o título desta crónica é atribuída a um célebre fabricante de vinhos que, na hora da morte, chamou os filhos para lhes transmitir esse sábio ensinamento. A uva é o fruto da videira e o vinho é a segunda vida da uva. Pode haver outras formas de fazer vinho, mas esta é fiável, como veremos.
Há oito mil anos, morava nos penhascos da aldeia georgiana de Gadachrili Gora, um homo sapiens chamado Giorgi. A região era célebre pelos seus deliciosos vinhedos. O Giorgi era o maior glutão da tribo, tudo o que pudesse passar pelo estreito da goela continuava viagem até às secções inferiores. Talvez por isso, a dentição do Giorgi não estava nas melhores condições, martirizada pela roedura e pela mastigação de alimentos nem sempre amigos do esmalte dentário. Em suma, a dentadura do Giorgi tinha mais buracos do que dentes. Por isso, o nosso herói detestava as irritantes grainhas das uvas que se alojavam nas cavernas da dentuça. Assim, o Giorgi habituou-se a esmagar as uvas e a beber só o sumo. Dava-lhe um certo prazer esborrachar os cachos e ver escorrer o molho para dentro da jarra. Concluiu que o sumo ainda era mais delicioso do que as próprias uvas e, se bebido de um trago, ainda dava muito mais prazer.
Um dia, estava o sapiens Giorgi encostado ao penhasco, no enlevo de esborrachar mais um cacho, quando lhe soprou por cima da cabeça um machado de sílex, arremessado não se sabe de onde. Mal teve tempo de se atirar ao chão. No atropelo da fuga, ainda conseguiu esconder a jarra do sumo de uva num buraco do rochedo. Aquilo era um vil ataque da tribo dos neandertais, que viviam lá atrás, na aldeia de Shulaveris Gora.
Durante muitos meses, a jarra ficou abandonada à sua sorte.  Mas Giorgi não se esqueceu dela. Depois de escarafunchar os ossos de uns quantos bisontes e de dar uma ensinadela aos neandertais, Giorgi voltou ao seu rochedo. Estava um terrível dia de calor, não havia água e, segundo uma raposa que passava por perto, as uvas ainda estavam verdes. Giorgi teve então um rebate de memória, “eu guardei aqui um jarro de sumo de uva, vou ver se o encontro”. E encontrou-o, de facto. Encostou a jarra aos beiços e sorveu metade, sem lhe tomar o gosto. Só depois percebeu que o sabor era muito diferente do sumo original.  Como cavalheiro que era, chamou a companheira Tamar, e deu-lhe a provar a mistela. Ela começou por cuspir. “Credo, que coisa horrível!” Mas, como a sede era muita, acabaram por beber o que restava. No final da libação, o líquido até já lhes sabia bem. Além disso, repararam que estavam muito mais bem dispostos do que o costume. Deitaram-se no chão pedregoso e, estranhamente, as pedras pareceram-lhes macias. Havia qualquer coisa de mágico naquele sumo!
O que aconteceu naquele dia e nos séculos seguintes fica entregue à imaginação dedutiva dos meus leitores. À vossa saúde!

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