Opinião

Hortalices - As batatas do senhor Pantaleão

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O senhor Pantaleão era um homem rico. O Quintal era um passatempo e o batatal era o seu orgulho. Agora, tudo arrancado!

O senhor Pantaleão Dias ficou mais morto do que vivo!... O batatal do Quintal de Baixo – a melhor coisinha que havia nas redondezas, estava de pantanas. Durante a noite, ratoneiros encartados haviam colhido as suas batatas, serviço feito com tal esmero que parecia obra de jornaleiro. Almas de trinta diabos! O senhor Pantaleão era um homem rico. O Quintal era um passatempo e o batatal era o seu orgulho. Agora, tudo arrancado! Por quem? Talvez por algum unha negra com a canalha em casa a estourar de fome (“Unhas negras”, de João da Silva Correia, Cap XXI, adapt.).
Esta é uma das poucas “referências agrícolas” em “Unhas negras”. A obra centra-se nas fábricas, nos duros ofícios da chapelaria, nos homens de unhas enegrecidas pelos ácidos da curtição dos chapéus. Lutava-se pela jornada de oito horas, combatia-se a mecanização, receava-se o desemprego para centenas de operários. As escassas referências à atividade agrícola aparecem sempre associadas a gente rica, industriais e comerciantes, com terras e dinheiro para pagar a jornaleiros. No início do século XX, a vila de S. João da Madeira operária era feita de casas humildes, sem quintais nem mordomias.
A provar esta ideia, encontramos outra “cena agrícola”. Numa conversa entre o pequeno industrial senhor Sarmento e o operário Manuel Ferreira, ambos com receio das famosas máquinas que iriam arruinar os pequenos empresários e lançar no desemprego centenas de operários, o industrial tem esta interessante argumentação.
- Eu tenho aí umas leiras que ainda vão dando quaisquer batatitas e uns alqueires de milho. Hei de ver se defendo o tacho. Mas se fosse operário ... Ah! ... Se fosse operário ... fazia como os tecelões de Lancashire, na Inglaterra, quando lá apareceu o primeiro tear mecânico. Punha em pé de guerra todos os meus companheiros, ia com eles à Fábrica Nova, e antes mesmo das maravilhosas máquinas nos reduzirem à miséria, reduzíamos nós as máquinas a sucata. (Cap. VI, op. cit.)
Pensávamos nós que Sarmento aconselharia os operários a cultivar algum quintalório, para subsistirem às greves ou ao desemprego, mas o homem via mais longe: sugerir aos operários que escavacassem as máquinas da Fábrica Nova. Para ele, era uma ótima solução: via-se livre da concorrência. Quanto aos operários…talvez eles pudessem tornar-se vendedores de sucata, ou, na pior das hipóteses, devastarem os batatais do senhor Pantaleão Dias. Na cadeia da Vila da Feira havia lugar para todos.

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