Agora que a Páscoa já passou, apeteceu-me falar de amêndoas. Talvez pudesse falar de folares, ou de ovos, ou de coelhos, mas hoje vou tratar de amêndoas, por várias razões. Primeiro, porque a amêndoa é o fruto da amendoeira e, nesta coluna, é hábito falar-se de vegetais. Segundo, porque a Páscoa da minha infância está povoada de amêndoas. No dia de Páscoa, as duas mercearias da aldeia montavam tenda frente à igreja matriz. Os padrinhos aproximavam-se. Os afilhados espreitavam, de olhos gulosos. Havia três espécies de amêndoas, as normais, as “finas” e as torradas. Os padrinhos mais endinheirados iam pelas “finas”, mas só meia dúzia. Os outros padrinhos compravam um pacote inteiro das normais. Estas amêndoas eram muito importantes, porque no dia 1 de maio seguinte tinha que se comer uma amêndoa em jejum, antes do nascer do sol, caso contrário, entrava-nos “o maio pelo cu acima”. Nunca ninguém explicou o que isso significava, mas as tradições também não são para se perceber.
A amendoeira faz parte do nosso imaginário, ou não fossem as “amendoeiras em flor”, a festividade campestre mais famosa em Portugal. No Algarve, há a maravilhosa história do rei mouro Ibn-Almundim, que curou as saudades de neve da sua apaixonada Gilda, plantando um imenso amendoal frente à janela do palácio. E resultou!
Deixemo-nos de histórias, vamos falar do vegetal. A amendoeira é a primeira árvore a florir. Das flores gera-se um fruto carnudo coberto por uma pele fina e aveludada que vai ficando rija à medida que amadurece e que, finalmente, se abre para libertar o caroço. É dentro deste caroço que se encontra a semente comestível.
Abundante em Portugal e nos países com verões quentes e secos, a amendoeira terá tido berço asiático, viajou para a Grécia, daí para a bacia mediterrânica e depois para o mundo. Para que conste, o maior produtor mundial de amêndoas é o estado norte-americano da Califórnia, o tal que a Dinamarca quer comprar, talvez por causa das amêndoas. E com razão: da amêndoa se fazem coisas tão díspares como cosméticos, manteiga, leite, farinha, óleo, medicamentos…
A tradição de envolver as sementes de amêndoa em doce terá nascido em Roma, mas, como nessa altura não havia açúcar, usavam o mel. A conjugação do doce com a amêndoa crocante e suave, resultava numa saborosa combinação. Com a chegada do açúcar, a partir do século XVI, o caso mudou de figura. A técnica da caramelização inventada nos conventos, deu às amêndoas uma nova vida. As viagens marítimas ajudaram, porque o açúcar era uma boa forma de conservar as amêndoas, tornando-as num produto de luxo nas naus.
Se os meus leitores não deram as amêndoas aos afilhados, ainda vão a tempo, porque daqui a três dias é o domingo de Pascoela e eles vão perdoar o atraso. Ah, e no dia 1 de maio, não se esqueçam!