Opinião

Hortalices - A importância do raminho de salsa

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Utilizei, há anos, um manual de Língua Francesa, não sei de que ano de escolaridade, em que, no capítulo dedicado ao ambiente, aparecia um cartoon que me ficou gravado na memória. Representava-se uma avenida cheia de arranha-céus, ao estilo de Nova Iorque. Entre dois desses prédios, tinha resistido uma pequena vivenda com quintal. Os donos da dita vivenda tinham colocado, no portão, um letreiro que dizia algo como “Não temos salsa”, ou “Não cultivamos salsa”. Interpretando o desenho, diríamos que os proprietários da pequena vivenda estavam saturados de “desenrascar” os vizinhos que lhes vinham pedir salsa, porque se tinham esquecido de a comprar.
Esta forma humorística de abordar problemas conduz-me, inevitavelmente, a várias reflexões.
Salsa-Sempé 1

Primeira: constatar a importância das relações de vizinhança, tantas vezes destruídas pela construção desenfreada de grandes edifícios de betão. O raminho de salsa, ou uma pitada de sal, ou uma folha de loureiro eram pretextos e elos de ligação que mantinham viva a relação entre vizinhos. Provavelmente, as centenas de habitantes dos prédios retratados no cartoon nunca tinham falado com qualquer vizinho: apenas conheciam a vizinha da salsa, a quem recorriam nas horas de carência aromática. A salsa, tal como as outras ervas aromáticas, além de perfumar os alimentos, perfumava também a relação entre as pessoas.
A segunda questão tem a ver com a modernidade da internet, das redes sociais, da inteligência artificial, da inteligência natural e da forma como os humanos se adaptam às realidades. Além do chamado “dr. google”, cujo único defeito é o de não conseguir pegar na enxada ou na pá, temos ainda as redes sociais, onde se aloja uma infinitude de grupos de debate, desde as hortas de chão verdadeiro, às hortas em casa, às biológicas, aos loucos por hortas…. Hoje em dia, por artes mágicas, qualquer varanda ou parede serve para criar uma horta. Há bem pouco tempo, realizou-se em S. João da Madeira uma oficina em que se ensinavam os agricultores sem terra a criar uma horta nos espaços domésticos. Apesar de eu ter uma horta de chão verdadeiro, ainda me tentei inscrever, mas a lotação estava esgotada. Portanto, há que repetir.
Por isso, se anda sempre a arranjar desculpas para ainda não ter uma horta, a partir de agora deixou de as ter. E não tenha problemas por lhe faltarem pretextos para bater à porta dos vizinhos. Quando ambos forem agricultores de varanda, poderá começar a conversa de outra forma: “ó vizinho, como é que fez para a sua salsa estar tão farfalhuda?”

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