Nome trágico, o de Maria Antonieta, a fazer-nos imaginar tumultos, cercos a Versalhes, assembleias selvagens, pedidos de pão, incertas respostas de brioches e, no final, o som roufenho da guilhotina desabando a lâmina à velocidade de vinte e quatro quilómetros por hora. Poupemos o sangue, para não ferir suscetibilidades.
Antes da guilhotina, houve o desvario de Versalhes, começado como Pavilhão de Caça de Luís XIII, para fugir ao bulício de Paris, prosseguido por Luís XIV, como instrumento do absolutismo do Rei-Sol, que atraía a si amigos e inimigos, para que o poder fosse só seu.
O desvario versalhiano passou por quatro campanhas de construção: pavilhões, casas, jardins salões, gabinetes, quartos faustosos, o grande apartamento do rei, o grande apartamento da rainha, cada um com sete salas, o apartamento dos banhos, mais as alas Norte e Sul e, por fim, a capela real, para esgotar os pecados acumulados. Mas, para fugir ao bulício da fauna barulhenta que lhe invadira o palácio, Luís XIV mandou ainda construir o Grand Trianon, um pavilhão com colunas imponentes.
Luís XV, o rei que se seguiu, foi um pouco mais modesto: mandou construir alguns pequenos apartamentos e ainda a Ópera e o Petit Trianon, para fugir ao bulício do Grand Trianon, que era demasiado grande.
Veio Luís XVI. Talvez cansado do fausto que o rodeava, apenas mandou construir mais dois pequenos apartamentos e decorar o apartamento da rainha. Mas, no meio desta profusão construtiva, faltava algo de óbvio: uma horta. E terá sido Maria Antonieta a solicitá-la. Ela gostava do Petit Trianon, mais discreto do que o Grand, mas também ela queria fugir ao bulício. Por isso, ao lado do Petit Trianon, mandou fazer a tal horta. Claro que uma horta deve ter um ambiente rural. Por isso, mandou construir uma aldeia inteira, com onze falsas cabanas, recheadas de mármores e móveis estilo Luís XVI, onde eram recebidos os convidados especiais da rainha. Aproveitou o lago, onde se pescava a sério, acrescentou-lhe uma leitaria, um pombal, um moinho, uma queijaria, uma capoeira, um celeiro e uma pocilga.
Há quem pense que Maria Antonieta se disfarçava de camponesa e andava por ali a sachar couves ou a ordenhar vacas, para desenfastiar. Dizem que não é verdade. Aquela era apenas uma horta de aparências, numa aldeia de aparências. Diz o povo que as aparências iludem e, mais uma vez, teve razão. Nem a horta salvou Maria Antonieta.