Opinião

Hortalices - A horta de Alexandre Herculano.

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Ainda estou a ver a mulher de D. Diogo Lopes, com os olhos brilhantes, as faces negras, a boca torcida e os cabelos eriçados, a elevar-se no ar, com a sua filha “Dona Sol sobraçada debaixo do braço esquerdo” e a desaparecer por uma grande fresta que havia no teto. Esta foi a imagem que me ficou na memória juvenil, quando acabei de ler a “A dama do pé-de-cabra”, de Alexandre Herculano. A cena deixava-nos os cabelos em pé e a pele arrepiada, como a das galinhas depenadas. Não sei bem em que ano li esta história de “Lendas e narrativas”, mas foi a imagem da estranha dama, que me ficou gravada na memória. Mais tarde haveria de ler outras obras de Herculano, mas nunca mais esqueci essa cena de autêntica literatura fantástica.
Mas deixemos a obra e vamos ao autor. Alexandre Herculano é hoje um escritor pouco lido nas escolas e menos ainda fora delas. As livrarias inundam-se de “best-sellers” dos grandes autores-vedeta do comércio livreiro, mas não há lugar para Alexandre Herculano, mesmo que a chamada “literatura fantástica” também esteja na moda. É um “autor difícil”, dizem alguns, e eu explico que o “ar da época” que vivemos está mais virado para os “autores fáceis”.
Alexandre Herculano teve uma vida plena: foi escritor, bibliotecário, investigador e autor da História de Portugal, parlamentar, soldado da causa liberal, jurista, ficando talvez por mencionar algumas outras facetas. Dizem-nos os biógrafos que Alexandre Herculano era um homem austero e firme nas suas convicções. Com 57 anos, dez antes de morrer, sentindo-se desiludido com a vida pública, juntou as economias resultantes da venda das suas obras, casou com a sua namorada de juventude e comprou uma horta. Bom…não foi bem uma horta, foi uma quinta, a Quinta de Vale de Lobos, onde se dedicaria à escrita e à vida rural. Plantou oliveiras e videiras e, durante esses dez anos, saía de casa, com as suas botas de atanado e o chapéu à camponês e acompanhava a evolução das suas culturas. Ainda hoje se comercializa azeite produzido pelas oliveiras de Herculano, na Quinta de Vale de Lobos.
O que me traz a esta crónica é o louvor a essa forma original de continuar uma carreira literária e política tão rica. Nos dias de hoje, de vez em quando, vemos desaparecer de cena alguns políticos e outras “figuras públicas”. Uns vão para a administração de bancos e empresas, outros seguem carreiras internacionais, outros dedicam-se ao comentário e à futurologia, outros “andam por aí” e, arrependidos, regressam à vida anterior…há de tudo. Se seguissem o exemplo de Herculano e comprassem quintas de cultivo, talvez o país produzisse ainda mais azeite. E ao preço a que ele está…

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