Os espigueiros hoje existentes já não têm a utilidade que tinham antigamente: armazenar e proteger o milho, preservando-o da humidade e dos predadores.
Antes de ser a cidade que hoje é, S. João da Madeira era uma horta imensa. Não seria bem assim, talvez fosse uma grande floresta que, desbravada pouco a pouco, deu lugar a casas, ruas e hortas. Mais tarde, vieram as fábricas. Depois, mais casas, mais ruas, mais fábricas e cada vez menos hortas.
Para quem passeia hoje em direção a sul, é difícil imaginar que, há cinquenta anos, não existia a Avenida Renato Araújo e que, no seu lugar, existiam caminhos, casas dispersas e campos de cultivo. Quando, há trinta anos, cheguei a S. João da Madeira, o espaço hoje ocupado pelo Hipermercado Continente era uma encosta de milho verdejante, com mina e tudo.
Que resta de tudo isso?
Quem hoje deambula pelos oito quilómetros quadrados do concelho ainda encontra, aqui e além, um espigueiro. (Também designado por “canastro”, ainda que, segundo os entendidos, se trate de construções diferentes). Eles são os testemunhos altivos do passado agrícola de S. João da Madeira, encerrando em si histórias de vida, de alegrias e de sofrimentos, daqueles que os construíram e utilizaram.


Em 1993, uma turma do 7º ano da Escola Secundária Dr. Serafim Leite escolheu, como tema da “Área Escola”, a frase “Espigueiro, um sinal do passado.” Procurava-se conhecer e preservar alguma da memória agrícola desta terra que, antes de ser industrial e urbana, foi terra de lavradores. Na altura, fizemos um roteiro que nos permitiu observar cerca de doze espigueiros, mas sabemos que havia bastantes mais. Conseguimos até convencer “O Regional” a dar-nos a manchete da edição de 13 de fevereiro de 1993. E fizemos uma corrida de orientação por Casaldelo, tendo como pontos de referência os espigueiros. Passaram 30 anos. Hoje não sabemos quantos espigueiros existirão, mas alguns foram vitimados pela insensibilidade dos construtores da cidade. Por exemplo, o espigueiro da família Neves, atual Rua de Arouca, foi uma dessas vítimas: primeiro, o abandono, depois, as intempéries e, finalmente, o camartelo camarário. Ressalvem-se, todavia, alguns bons exemplos, como é o caso do espigueiro reconstruído nos terrenos da ACAIS, junto ao Centro de Saúde.
Os espigueiros hoje existentes já não têm a utilidade que tinham antigamente: armazenar e proteger o milho, preservando-o da humidade e dos predadores. Mas, hoje, eles podem proteger as gerações atuais e vindouras dos vírus do esquecimento e da ignorância do passado. E, só por isso, vale a pena mantê-los, altaneiros sobre os seus esteios de granito.