Opinião

História de uma Palavra

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Quantas vezes usamos palavras sem nos passar pela cabeça que voltas elas deram para chegarem até nós!
Olhem só para a  palavra LEMBRAR!
Para nos LEMBRARMOS seja do que for precisamos de MEMÓRIA, não é verdade?
E o sempre disponível Dr. Google RECORDA-me que MEMÓRIA é a “faculdade pela qual o espírito conserva ideias ou imagens ou as readquire sem grande esforço”. E acrescenta  logo-loguinho a seguir: “Lembrança”.
Que relação há entre MEMÓRIA e LEMBRANÇA?
Qual das duas é mais antiga?
A mais antiga é MEMÓRIA, que é… mãe da segunda.
Antepassada de MEMÓRIA é a raiz indo-europeia SMER-, que significa “ter parte em”. Já o Sânscrito – das mais antigas Línguas com documentação gráfica  - tem a palavra SMARAT, que significa “ele lembra-se”.
Esta raiz – mais disfarçada ou menos – está presente no Latim MERITUM, EMERITUS (soldado que deixou de servir, pelo que já não merece o pré…), e MERENDA, “refeição da tarde” (que é preciso merecê-la…).
Mas está também presente no Latim ME-MOR, que se lembra,  e também em MEMORARE e em MEMORIA.
Foram estas as palavras que o Latim nos legou.
E labregotes como os nossos antepassados Lusitanos eram – foram durante algum tempo, até se tornarem finos e espertos, como actualmente se nota – aquelas duas sílabas seguidas começadas por M eram difíceis de pronunciar e quem pagou as despesas foi o O do MO, que se sincopou.
(Não se assustem, pelas alminhas lhes peço! A SÍNCOPE de que falo não é a relativa ao coração! É termo gramatical, que significa “supressão de fonemas no interior de uma palavra”.
E devido a essa SÍNCOPE, a palavra ficou reduzida a
MEMRAR. Coisa bem difícil de pronunciar, espero que concordem! Aqueles M e R não se dão nem à mão de quem tudo pode, e foi precisa uma EPÊNTESE…
- Ó homem, fale que a gente o entenda! Que palavrão é esse que ainda agora disse?
- Desculpem, peço-lhes! A Gramática, a Filologia, a Etimologia têm destas coisas… EPÊNTESE é, bastante simplesmente, “acréscimo de um ou mais fonemas ao interior do vocábulo”.
E foi graças a esse palavrão que o M e o R ficaram bem separadinhos, sem se esgadanharem.
Mas os problemas não se quedaram por ali!...
O MEMBRAR ainda oferece dificuldades de pronúncia. Os dois  MM são graficamente iguais, isso são. Mas o segundo significa uma ressonância nasal, ao passo que o primeiro é mesmo uma consoante. E é este que vai transformar-se, continuando na sua qualidade de consoante mas perdendo a sua nasalidade. E dá o seu lugar ao L: LEMBRAR.
Segundo me informa o Dr. Google há registo escrito das duas formas anteriores à actual. Para exemplificação, recorro a texto galego.
“Quando vej’esta cinta que por seu amor trago / e me NEMBRA, fremosa, como falamos ambos e quisesse Deus”.
E ainda acrescento que o verbo NEMBRAR existe em Catalão.
E… parece-me que não terei mais para revelar a respeito de MEMÓRIA e de LEMBRAR…
Só um  acrescentozinho:
Há uns séculos, ainda o Zé Povinho (não só o nosso…) acreditava que o coração era sede da memória.
Daí que, para memorizarmos bem um texto (um poema - e há-os tão  merecedores de tal honra!), devemos sabê-lo de COR,  devemos deCORá-lo.
Repararam onde eu quis chegar, ao escrever em maiúsculas aquele elemento COR? Quis lembrar-lhes precisamente que o COR era o CORação, em Latim COR, CORDIS.
(Essa linda – pelo significado! – palavra está também presente em CORDial, em reCORdar… julgo que também em CORDato).
E, por hoje, não me ocorrem mais elementos a respeito destes – que me parecem tão interessantes! – relativos à MEMÓRIA, à LEMBRANÇA, à RECORDAÇÃO.
Se se lembrarem de mais alguma cousa relacionada com este curioso  assunto… apitem, que eu agradeço e pode ser que mais algumas coisas venham à baila.
Fico à espera!

Abração!

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