As famílias portuguesas, perante o dilema de arrendar uma casa ou comprar com recurso ao crédito bancário, quando podem, optam pela compra.
Ouvi, há dias, um comentador a criticar grande parte das famílias portuguesas por comprarem habitação na vez de arrendarem no mercado privado. Também criticou, o facto da esmagadora maioria dos que recorrem ao crédito bancário optarem, pelo regime da taxa variável na vez da taxa fixa. Com estes dois argumentos, o dito comentador acusou os portugueses de iliteracia financeira. Esta critica é bastante desajustada se tivermos em conta a realidade dos factos:
1.º- A oferta de habitação no mercado de arrendamento é extremamente cara - o arrendamento privado, nunca foi, em Portugal, ao longo de mais de dois séculos, a solução para permitir à maioria dos portugueses «o acesso à habitação digna»;
2.º- A taxa fixa tem a mensalidade do crédito da habitação mais cara - comprar uma habitação com crédito em regime de taxa fixa, torna a prestação mensal mais cara várias dezenas de euros e num país de baixos salários, isso é muito importante nos bolsos de quem trabalha por conta de outrem, por isso a maioria opta pela taxa variável.
Ao contrário das criticas, os portugueses demonstram não sofrerem de iliteracia financeira.
Ainda sobre o arrendamento, lembro que antes de 1974, S. João da Madeira, apesar de ser uma terra com condições de vida acima da média nacional, quase metade das habitações não tinham casa de banho. Nestas casas, quase sempre arrendadas, não havia duche e as necessidades fisiológicas eram feitas numa sanita de madeira, não sifonada, assente sobre uma fossa para onde caiam directamente os dejectos. Esta sanita, instalada no exterior da habitação, em alguns casos, era usada por mais que uma família. O “banho”, era feita com recurso a uma bacia. Esta é uma realidade que a generalidade dos jovens, felizmente, desconhece.
O 25 de Abril promoveu políticas de habitação onde o Estado e os municípios tiveram um papel importante. Construiu-se muita habitação social e habitação económica (cooperativa e a preços controlados). Com a melhoria do poder de compra que se verificou, muitas famílias conseguiram adquirir a sua própria casa.
Apesar das carências actuais na habitação e de ser necessário fazer muito para dar resposta digna às necessidades da população, há que reconhecer que depois de 1974 se deu passos de gigante nesta área. Infelizmente, após a entrada na CEE, o Estado abrandou o passo, foi pena!
A habitação pública, representa no nosso País cerca de 2% do total de fogos, muito longe de alguns países onde ronda os 30%. O arrendamento privado é muito precário e sujeito à pressão dos senhorios sobre os inquilinos mais velhos para que saiam e poderem fazer novos contractos, com pessoas mais jovens a preços especulativos. É inaceitável o contraste da renda mensal das habitações quando comparamos com os rendimentos da maioria dos portugueses.
É necessário mudar o paradigma da habitação em Portugal. Só o Estado tem capacidade de ser o actor principal. Para uma população com tantos pobres, é urgente que haja muito mais habitação pública e social e que os inquilinos tenham mais protecção. É urgente promover a habitação cooperativa e a construção a preços controlados.
O País necessita de uma Lei que crie um regime de protecção para a compra de habitação: que imponha um spread baixo; que defenda os compradores da subida das taxas Euribor; que garanta que os encargos associados ao crédito (TAEG) nunca ultrapassem os valores definidos no inicio do contracto e que a habitação própria se torne impenhorável.
Temos a expectativa que a tal bazuca que António Costa usou nas campanhas eleitorais se faça sentir positivamente na habitação.
Vamos esperar para ver se «a palavra dada é palavra honrada»!