Opinião

fotografias com HISTÓRIA com fotografias - O drama de Kiko Ribeiro da Silva

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Quando O REGIONAL ainda contava, na sua equipa redatorial, com a preciosa colaboração de João da Silva Correia, cabia-lhe, a ele, a abordagem dos assuntos mais sensíveis que eram notícia, muito especialmente aqueles que se relacionavam com o desaparecimento de figuras relevantes da terra ou com a morte prematura e trágica de jovens sanjoanenses de quem muito se esperava, como foi o caso do artista plástico Luís Manuel Pinho, ocorrida em junho de 1968.
Por norma, o romancista iniciava esses escritos com o título “O drama de…”, a que se seguia o nome do defunto. O corpo da notícia era o obituário transformado num elogio fúnebre, construído com uma linguagem refinada e um conteúdo de excelência, ao nível do que de melhor produziu o autor de “Unhas Negras”.
Com Kiko Ribeiro da Silva não aconteceu assim. No ano em que o piloto de Casaldelo foi atropelado mortalmente no autódromo do Estoril (1977), João da Silva Correia já não fazia parte do número dos vivos. E O REGIONAL não dedicou à tragédia uma única linha, não se sabe bem porquê. No entanto…
Clemente Luís Correia Ribeiro da Silva, também conhecido por “Kiko” ou “Quico” Ribeiro da Silva, nasceu no hospital de S. João da Madeira, no dia 21 de junho de 1943. Os seus pais, Maria José Correia Ribeiro e Clemente Fernandes da Silva, estavam então na quinta de Casaldelo, pertencente à família de Maria José. Clemente da Silva era natural de Ovar e fez parte da leva de portugueses que emigraram para o Brasil, no início do século XX.

Clemente Ribeiro da Silva (Kiko)
Clemente Ribeiro da Silva (Kiko)

No início da década de 1930, o casal regressou, definitivamente, ao seu país de origem. Empreendedor por natureza, Clemente Silva procurou uma atividade onde pudesse investir o pecúlio acumulado do outro lado do Atlântico, ao longo de mais de vinte anos. Essa capacidade de criar e desenvolver negócios levou-o a adquirir uma empresa da família da esposa, fundada em 1862, com a denominação “Corrêa Ribeiro & Filhos”, especializada na produção de vinhos do Porto. Com ela, construiu os stocks iniciais que lhe permitiram fundar, em 1933, a sociedade “C. da Silva” e registar, um ano depois, a marca “Dalva”, que resulta da contração de “da Silva”.
A empresa vinícola teve um processo de expansão rápido em todas as suas vertentes, alcançando reconhecimento e notoriedade nos mercados de todo o mundo. Esta circunstância fez com que a família se mudasse para Vila Nova de Gaia, onde a “C. da Silva” tinha a sua sede, passando a quinta de Casaldelo à categoria de segunda habitação.
Foi nestas duas realidades ambientais, bem distintas uma da outra, que Kiko cresceu e se fez homem. A apetência pelas corridas e pela velocidade revelou-se muito cedo, em brincadeiras de petizes durante as férias estivais, com os seus vizinhos e companheiros de aventuras, Vasco Gomes Ferreira e João Calheiros Lobo, designadamente. Numa pista improvisada dentro da Quinta dos Bellos, Kiko, quase sempre, levava a melhor em corridas de bicicletas.
Quando terminou o quinto ano do liceu – hoje, nono ano de escolaridade –, Kiko recebeu como presente uma motorizada Kreidler Florett. “Casaldelo, toda a vila de S. João da Madeira e a estância balnear de Espinho passaram a ser pistas permanentes, sem segredos para o novel motociclista, que se tornou mesmo num exímio especialista de alguns troços urbanos, como as curvas junto da estação da linha do Vouga, cuja sequência constituía uma das suas passagens preferidas” (*).

Kiko em prova, ao volante do Porshe RSR

Os carros vieram mais tarde e foi com um novíssimo VoksWagen Karmann Ghia, pertença do irmão Sérgio, que disputou a sua primeira prova, uma perícia organizada pelos finalistas do Liceu Alexandre Herculano, no campo do Vilanovense, em 1959. Na primeira experiência do candidato a piloto, o resultado foi o pormenor menos importante.
Os últimos dois anos do Liceu foram feitos no Colégio Brotero, na Foz. De férias em Casaldelo, Kiko conhece Manela Sampaio Paiva, uma jovem amiga da vizinha Maria Jaime e é com ela que casa, em 1964, antes de enveredar pelo curso de arquitetura.
Com um Renault 4L, Kiko realizou os seus primeiros rallys, ciente de que o veículo não era o mais indicado para aquele tipo de divertimento. Adquiriu, então, um Hilman Imp, o que lhe permitiu subir de divisão. Nos anos que se seguiram, foram inúmeras as provas que disputou, como foram inúmeros os carros que pilotou – NSU TTS, Austin Cooper S, Renault 8S, Datsun 1200, Toyota Corolla 1200 S KE20, Opel Commodore GS/E, Porsche Aurora RSR, Alfa Romeo 2000 GTV, entre outros –, somando títulos atrás de títulos.
Em 1975, com o Commodore, sagrou-se Campeão Nacional de Grupo 1, para carros de Turismo de série. Dois anos depois, ao volante do Porshe RSR, foi o melhor piloto nacional na Rampa Serra da Estrela – pontuável para o Europeu de Montanha – e conquistou dois triunfos absolutos, em provas do Campeonato Nacional de Velocidade.
Na derradeira prova, os 500 km do Estoril, disputada a 1 de outubro de 1977, Clemente Ribeiro da Silva partilhou o Alfa Romeo 2000 GTV com o seu amigo Rufino Fontes. No turno de Kiko, um problema mecânico levou o carro a encostar em plena reta da meta, já de noite, e o piloto aguardou pelo fim da corrida, para atravessar a pista e regressar às boxes. No entanto, havia ainda um carro a circular no traçado, com o sistema de luzes avariado, que acabou por atropelar mortalmente o piloto sanjoanense.
O falecimento de Clemente Ribeiro da Silva causou profunda consternação no seio da família, amigos e aficionados do desporto automóvel.

(*) in KIKO RIBEIRO DA SILVA – A história incompleta de um grande Piloto, de Ricardo Grilo

 

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