fotografias com HISTÓRIA com fotografias - Albino Francisco Correia – Visconde de S. João da Madeira (I)
Em março de 1902, o número 9 do “Jornal de Cintra” – publicação da então vila de Sintra – trouxe à primeira página um artigo em homenagem a Albino Francisco Correia, pouco tempo antes agraciado pelo rei D. Carlos I, com o título de Visconde de S. João da Madeira.
A transcrição do texto, mantendo a grafia da época, bem como a publicação da gravura que o acompanhava dão início a uma série de artigos que procurarão desvendar aspetos menos conhecidos desta figura ímpar do quadro “sanjoanenses notáveis”.
“O retrato que hoje figura na pagina de honra d’este jornal é o de uma das individualidades mais respeitáveis da colonia portugueza no Rio de Janeiro, onde o seu nome é pronunciado com aquelle raro elogio que não se logra merecer n’este mundo senão quando se tem sido o que elle realmente é: – trabalhador inteligente e prestimoso; homem de sentimentos benignos e alevantados; chefe de familia correcto e amantissimo; amigo sincero e desinteressado; phylantropo de provada e compassiva bondade.
O sr. Albino Francisco Correia, actual visconde de S. João da Madeira, nasceu na pittoresca freguezia d’este titulo, concelho de Oliveira de Azemeis, aos 23 dias do mez de maio de 1850, contando, portanto, cincoenta e dois annos. Foram seus paes o sr. Manoel Francisco Correia e D. Maria Rosa d’Oliveira, modestos mas estimados negociantes n’aquella localidade.
Homem de rija tempera e de austeros principios, havendo tomado parte nas luctas fratricidas de trinta e tres, e por ellas feito prisioneiro, o pae bem cedo inspirou aos filhos as ideias do trabalho e da tenacidade e, com ellas, as mais rigorosas noções do dever e da honra.
Contava o nosso biographado apenas 12 annos de idade quando saiu da barra do Porto em direcção ao Brazil, na fundada esperança de encontrar no solo estrangeiro a fortuna que a pátria lhe não podia decerto proporcionar.
Feita, em barco de vela, a enorme travessia da linha que devide o globo, e chegado ao Rio de Janeiro, encetou modestamente a carreira commercial, á qual se afeiçoou, revelando taes aptidões e tão correcto porte que, a breve trecho, já tinha nome invejado entre os seus colegas e assegurado, – pode dizer-se que sob felizes auspicios – o seu futuro.
Parcimonioso nos habitos, regrado nas despezas, tendo conseguido ajuntar algum peculio, entendeu dever lidar por conta propria; n’esta conformidade se estabeleceu com um pequeno negocio de viveres a retalho.
Perseverante e modesto, em pensar sequer na sociedade que em volta d’elle se agitava, sem poser para que dessem por elle, o noviço commerciante, sem esmorecimentos, logrando o prazer de ver a fortuna medrar-lhe a olhos vistos, de envolta com a estima de todos aquelles com quem teve de entrar em relações mais ou menos estreitas, quer no tracto do commercio, quer na vida particular.
Sempre leal á sua palavra, sempre honrado em suas transacções foi progredindo em interesses, de modo que alguns annos depois, achando-se para isso habilitado, fundou e deu impulso a alguns estabelecimentos de confeitaria, ferragens, tintas e molhados por grosso.
Sem que os livros das teorias economicas lh’o tivessem ensinado, compreendeu, com a perspicacia e tino mercantil que lhe são peculiares, que os pequenos lucros nas grandes vendas são o segredo do negocio e, mercê d’esse tino e d’essa perspicacia, foi desenvolvendo a área das suas transacções, de maneira que chegou a ser um dos mais importantes e acreditados commerciantes do Rio de Janeiro.Preoccupado com a ideia de ser util á classe em que primitivamente se iniciara, foi o mais enthusiasta, o mais activo e o principal iniciador e fundador da Associação dos Varejistas do Rio de Janeiro, associação que pelos seus fins altamente sympathicos e proveitosos tem prestado assignalados serviços aos seus associados, zelando-lhe os interesses collectivos, pugnando pelas suas regalias, sempre que a justiça ou arbitrariedade pretendem atacal-os. D’esta sympathica agremiação foi o nosso biografado primeiramente eleito director e tesoureiro e vice-presidente em diversas outras eleições.
Animado pelo mesmo espirito de ser util aos seus concidadãos iniciou tambem a fundação da Companhia de Seguros Varejista, de cuja direcção é presidente, achando-se em goso de licença.
Para se ajuizar da sua discreta e ponderada administração basta dizer que a referida Companhia tem distribuido excellentes dividendos aos accionistas, e que as acções se acham magnificamente cotadas, dando bom agio aos seus negociadores.
Satisfazendo aos naturaes impulsos do seu bizarro animo o sr. Visconde de S. João da Madeira resolveu interessar nos rendosos lucros dos seus estabelecimentos os seus auxiliares, – os seus bons caixeiros, – motivo por que eles são hoje chefes das casas, de que o honrado titular ainda faz parte, seguindo assim a maxima, «que o bem dos outros é o nosso próprio bem». E n’este afan de protecções aos seus dependentes jámais distinguiu nacionalidades, mas tão sómente individuos. No seu judicioso conceito apenas duas qualidades julga indispensaveis: – ser honesto e trabalhador. Quem possuir estas valiosas credenciaes facil se acredita á sua confiança e protecção.
D’aqui se infere que o sr. Visconde de S. João da Madeira não é nem nunca foi um egoista; mas outros factos ha, mais significativos, que provam ainda que elle é um sincero e convicto apostolo do Bem” (…).
(Continua no próximo número)