A primeira visita de José Rainho da Silva Carneiro à sua terra natal não teve o brilho que era habitualmente dispensado à chegada de outros torna-viagens sanjoanenses, como acontecia com Benjamim Araújo, com o Visconde e seu genro António Dias Garcia, por exemplo. E percebe-se porquê. José Rainho não tinha o estatuto de benemérito que aqueles já possuíam. Aos olhos do cidadão comum, era um ilustre desconhecido e as autoridades locais não tinham motivos para promoverem uma receção com a pompa e circunstância próprias da época.
A comitiva chegou a S. João da Madeira numa terça-feira, dia 18 de abril de 1911. Esperavam-na o pai de José Rainho, Domingos Luís da Silva – agora encarregado do Registo Civil – os irmãos Joaquim, Ana, Conceição e Teresa, e os cunhados Pedro Santos, José Duarte Gonçalves e António da Cunha.
Durante a estadia, que terminaria a 18 de dezembro desse ano, José Rainho da Silva Carneiro cumpriu um programa meticulosamente elaborado, que incluía visitas às cidades mais importantes do norte e centro do País, uma semana em Paris, mas também a presença em festas e romarias da região e num espetáculo de teatro em S. João da Madeira, a ele dedicado “como preito de gratidão”.
De volta ao Brasil, José Rainho retomou a sua atividade empresarial que desenvolveu sempre em paralelo com uma vida profundamente comprometida com o ideal de justiça, de solidariedade social e de bem-fazer. Essa nobre atitude já lhe tinha valido o reconhecimento do governo brasileiro e, ainda no período da monarquia portuguesa, a Comenda da Ordem da Conceição e Vila Viçosa.
Após a implantação da República, ser-lhe-ia conferida a Comenda da Ordem Militar de Cristo. Anos mais tarde, haveria de ser agraciado, pelo papa Paulo VI, com a Grã-Cruz da Ordem de Latrão.
No Rio de Janeiro, a obra do Comendador Rainho é vasta. No entanto, o Liceu Literário Português destaca-se de todas as outras, desde logo porque foi nele que se notabilizou, “ao ver concretizado um projeto cultural com largos horizontes”, onde se faculta o ensino gratuito a todos os alunos, sem distinção de raça, religião ou nacionalidade. Em 1932, o edifício onde o Liceu tinha a sua sede foi consumido por um incêndio que fez desaparecer o seu valioso património. Diante dos escombros, alguém perguntou ao Comendador: “– E agora?”. Sem hesitações, respondeu: “– Agora temos de construir outro, quanto mais depressa melhor!”.
Um ano depois, era lançada a primeira pedra de um novo edifício, cuja inauguração festiva aconteceu a 10 de setembro de 1938, contando com a presença de personalidades do governo e da administração brasileira e figuras do corpo diplomático. Foi considerado o maior acontecimento da vida da colónia portuguesa do Brasil. Pelo mérito de tão elevados serviços, o Comendador José Rainho da Silva Carneiro foi honrado com o título de “Presidente Perpétuo” da instituição.
A segunda visita do Comendador Rainho à sua terra natal só aconteceu em 1949. Veio acompanhado da esposa, D. Eugénia Rainho da Silva, do filho Otacílio e de sua neta Miriam, tendo ficado instalado, em casa da sua irmã Conceição da Silva Duarte, na Rua Dr. Maciel. Durante a breve estadia, festejou os seus 72 anos junto dos familiares, num jantar íntimo que decorreu no Cine-Teatro Avenida.
Regressou seis anos depois, desta vez acompanhado de D. Eugénia e da filha Judit. À sua chegada a S. João da Madeira, no dia 8 de junho de 1954, foi-lhe prestada uma “carinhosa” receção pelas autoridades mais representativas da vila e também por uma delegação da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários, a quem o Comendador tinha oferecido a primeira ambulância da corporação. Justamente por isso, realizou-se uma sessão de boas-vindas no quartel-sede dos Bombeiros, presidida pelo dr. Renato de Araújo, então presidente da Câmara Municipal de S. João da Madeira.
Já com 80 anos, José Rainho da Silva Carneiro viajou de avião para Portugal e voltou a pisar a terra onde nasceu.
Chegou a S. João da Madeira no dia 23 de agosto de 1957 e, como habitualmente, ficou instalado em casa da irmã Conceição, antes de dar cumprimento a uma preenchida agenda de visitas oficiais, ao mais alto nível, em Lisboa. Na bagagem, trouxe uma dádiva de 40 mil escudos para ajudar a custear as obras do Pavilhão dos Desportos, respondendo ao pedido feito pelo sobrinho Eduardo Duarte, um dos responsáveis de Comissão de Obras do empreendimento.
A última visita do Comendador a S. João da Madeira ocorreu em 1960. Guardamos dele uma ténue imagem, aquando da sua visita ao Pavilhão dos Desportos, em que teve oportunidade de assistir a uma exibição improvisada dos “Unidos à ADS”, equipa de jovens hoquistas que integrava familiares seus. Antes do seu regresso ao Rio de Janeiro, foi-lhe prestada homenagem de consagração, numa sessão solene, no Salão Nobre da Câmara Municipal, “na qual o Presidente Manuel Vieira Araújo evidenciou o maior apreço pelas virtudes do ilustre benemérito, colocando-lhe no peito a Medalha de Ouro do Município.”
José Rainho da Silva Carneiro despediu-se da família e levou na retina as últimas imagens de S. João da Madeira, que tanto amava. Na mesma bagagem que trouxera dádivas para o Pavilhão, para a creche Fontes Dias Garcia e para a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários, entre outras instituições, levava agora uma caixa com terra que recolhera junto da casa onde nasceu, no Orreiro, e que haveria de ser lançada, como foi seu desejo, sobre o caixão em que foi a enterrar, a 27 de abril de 1963, no Rio de Janeiro.
A caixa, que se encontra atualmente na posse de Anne Christine Rainho Sampaio, bisneta de José Rainho, tem agora no seu interior o livro “Carlos Alberto da Costa – um olhar de S. João da Madeira”, da autoria de José Duarte (sobrinho-neto do Comendador) e de Daniel Neto.