Este ano, as celebrações do 11 de outubro em S. João da Madeira foram marcadas pela inauguração de uma estátua em homenagem a Humberto Delgado, o “General sem Medo”. Este gesto é de uma enorme importância para manter viva a nossa memória coletiva e, ao mesmo tempo, transmitir às gerações mais jovens valores fundamentais. Humberto Delgado - que pagou com a própria vida a sua luta contra a ditadura - encarna princípios como a coragem, a justiça, a resistência e, acima de tudo, a defesa inabalável da liberdade e da democracia.
Em 1958, num país oprimido pela censura e pela repressão, Humberto Delgado desafiou abertamente a ditadura de Salazar. A sua célebre frase “obviamente, demito-o”, dirigida a Salazar, representava uma rara e corajosa manifestação de dissidência num tempo em que a maior parte das vozes se calava pelo medo. Ele, no entanto, não teve medo. Como militar e democrata convicto, lançou-se numa campanha presidencial que despertou um sentimento de renovação e mobilizou o povo português. A sua coragem trouxe um vislumbre de esperança para um país que vivia na escuridão da ditadura.
Permitam-me partilhar convosco uma história que me é particularmente especial. Recentemente, ao ver a nova estátua de Humberto Delgado na Praça Luís Ribeiro, o meu avô, visivelmente emocionado, contou-me que, nos tempos em que trabalhava nas terras de Cinfães, teve a honra de apertar a mão do General. Para ele, não foi um simples cumprimento; aquele aperto de mão foi um momento de profunda esperança, uma ligação a um homem que personificava a coragem de enfrentar o regime opressor. Ver o brilho nos olhos do meu avô enquanto me contava essa história deu-me uma nova perspetiva sobre o impacto que Delgado teve na vida de tantos portugueses. A sua figura não era apenas um símbolo de resistência, mas também de mudança e de renovação.
Para quem, como eu, faz parte de uma geração que já nasceu em liberdade, é crucial perceber o que estava em jogo naquela altura. Questionar o regime era um risco tremendo – podia custar a liberdade, a carreira, ou até a vida! Humberto Delgado sabia disso, mas arriscou tudo porque acreditava num Portugal livre e democrático. Embora o seu sonho só se tenha concretizado com a Revolução dos Cravos, em 1974, o seu exemplo foi uma faísca que manteve viva a chama da resistência. E é essa coragem que, hoje, deve ser ensinada e recordada. Porque, se esquecermos o sacrifício de figuras como Humberto Delgado, corremos o risco de não valorizar a democracia que hoje damos por garantida.
Vivemos numa época em que a liberdade de expressão e o acesso à informação são realidades inquestionáveis. Mas nem sempre foi assim. Só chegámos aqui graças a quem, como Delgado, não teve medo de enfrentar o poder opressor. A estátua erguida em sua homenagem não é apenas um tributo ao passado: É um lembrete de que a liberdade é uma conquista frágil e que precisa de ser protegida diariamente. Ao olhar para ela, a juventude de hoje é chamada a refletir sobre o preço que foi pago para garantir os direitos de que hoje usufruímos.
A estátua de Humberto Delgado na Praça Luís Ribeiro transforma-se, assim, num ponto de encontro entre o passado e o presente, uma ponte entre gerações. Representa uma oportunidade para pais, avós e professores contarem a história de um tempo em que o medo e a censura imperavam e de como a luta pela liberdade foi dura e demorada. A história do meu avô é apenas uma entre tantas que confirma a importância de figuras como Humberto Delgado e é nossa responsabilidade garantir que as novas gerações nunca percam de vista o valor dessa memória.
O mundo de hoje apresenta novos desafios – desde o enfraquecimento dos direitos democráticos em alguns países até ao individualismo crescente das sociedades modernas. Contudo, a figura de Humberto Delgado continua a ser uma inspiração, especialmente numa era em que o ativismo juvenil volta a ganhar força em questões como o ambiente e os direitos sociais. A sua vida prova que a coragem de uma única pessoa pode ser o catalisador de mudanças profundas, quando essa pessoa se move por convicções fortes e pelo desejo de um mundo mais justo e livre.