Opinião

Em louvor das toupeiras

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Numa das hortas virtuais e sociais que frequento, levantou-se, há dias, uma intensa polémica sobre toupeiras. A foto do cadáver de uma toupeira ao lado da armadilha assassina, uma espécie de túnel sem saída, despoletou a discussão. Uns defendiam, a todo o custo, a vida das toupeiras, - “deixem-nas viver, que elas só comem minhocas” - outros queixavam-se da devastação de um couval - “morte às toupeiras!” -, outros recomendavam mortes suaves -“há venenos indolores”-,alguns aconselhavam armas tecnológicas inofensivas, capazes de afugentar as toupeiras teimosas, sem as molestar. Nunca me passou pela cabeça que uma toupeira desse origem a tanta discussão…
Mas as toupeiras são mesmo bichos esquisitos. Muitas pessoas que falam de toupeiras nunca viram uma: quanto muito, conhecem as marcas que elas deixam nos relvados. A sua vida subterrânea, a finura da pele, a quase ausência de olhos e as mãos com dois polegares geram uma aura de mistério capaz de fornecer imagens à poesia e ao romance, à música, à política e até ao futebol. A toupeira é musa de todas as artes.


No célebre poema “Pedra filosofal”, de António Gedeão, o sonho é um “…bichinho álacre e sedento, de focinho pontiagudo / que fossa através de tudo / num perpétuo movimento.” Não aparece o nome do bicharoco, mas a caraterização não engana. Zeca Afonso, esse extraordinário criador de músicas e de imagens, num poema que também fala de hidras e jiboias, colocou a toupeira nos primeiros versos, “Eu vou ser como a toupeira /Que esburaca…” Nos meus tempos de estudante universitário em Lisboa, antes do 25 de abril, circulava pelas faculdades um jornal clandestino chamado “Toupeira vermelha”, da esquerda radical, que se servia da imagem da toupeira para significar o desejo de minar os fundamentos do regime e de o derrubar. John le Carré, grande mestre dos romances de espionagem, não hesitou em dar a um dos seus livros o título “A toupeira”. E creio que não há romance policial que não tenha, pelo menos, uma “toupeira”. Até no futebol, apareceu há tempos um “caso” a que deram o nome de “e-toupeira”, e não foi por esburacar relvados…
Há dois anos, apareceu uma toupeira no separador central da Rua do Vale do Vouga. Esburacou duzentos metros de terreno, não sei como entrou, nem se saiu. Na minha horta também já têm aparecido toupeiras, das autênticas, mas nunca vi nenhuma, apenas as conheço pelas marcas que deixam. Nada de muito grave. Por todas essas razões, as literárias, as políticas, as futebolísticas e as naturais, aqui deixo o meu voto de louvor às toupeiras e a todos os seres que habitam o planeta.

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