1. Uma parte do país acha que o cenário de eleições antecipadas não passa de bluff. Que o Orçamento acabará por ser aprovado. Que estamos perante mais um caso de ficção politica. Outros, ao invés, acham que até nem era mau ter eleições antecipadas para clarificar uma situação que tende a transformar-se num pântano.
Por mim, tenho uma opinião diferente: embora ache que o mais provável continue a ser a viabilização do Orçamento, reconheço que o risco de ser chumbado passou a ser grande. A verdade é que a exigência de racionalidade está muito rapidamente a ser substituída pelo desvario da irracionalidade. Por outro lado, entendo que acrescentar uma crise política à crise económica e social, adiando a recuperação, parando intenções de investimento e afetando fundos europeus, é um cenário de terror. Bom para a bolha de comentadores e analistas, desastroso para os portugueses de carne e osso, em especial os mais vulneráveis.
2. O pior risco de uma crise política que só pode ser resolvida com eleições antecipadas é, porém, um outro bem mais perigoso: é o risco da ingovernabilidade. O risco de dessas eleições não sair nenhuma solução de governação minimamente estável, seja à esquerda, seja à direita. Fácil de explicar. À esquerda, mesmo que António Costa volte a ganhar, passa a estar em conflito aberto com o PCP e o BE, seus ex-parceiros de geringonça. Se antes das eleições não consegue aprovar Orçamentos, a sua aprovação é ainda mais difícil a seguir. O impasse atual manter-se-á ou tenderá mesmo a agravar-se. À direita é completamente óbvio que falta tempo para construir uma alternativa de Governo. Em 2023 até pode ser viável atingir esse desiderato. Neste momento é praticamente impossível. É uma questão de elementar lucidez e bom senso.
Até hoje, em toda a nossa democracia, sempre que houve uma crise, seguida de dissolução do Parlamento e de eleições antecipadas, o povo votou numa solução governativa estável. Com uma única exceção, em 1985, embora, mesmo assim, uma exceção de mudança virtuosa e esperançosa. Desta vez, o risco sério é mesmo o da impossibilidade de, a seguir às eleições, se construir um governo minimamente estável e aprovar Orçamentos responsáveis. Se a isto juntarmos as demais incertezas que pairam no horizonte internacional, incluindo a crise energética que nos assola, é caso para dizer que estamos perante a tempestade perfeita. Ou seja, de eleições antecipadas, nesta ocasião, não se antevê qualquer solução responsável, virtuosa ou esperançosa. O que se antecipa é incerteza, instabilidade, regresso aos governos precários e de curta duração, caos económico e social.
Pensar nestas consequências antes que seja tarde é obrigação de cada um. A solução não é viver dois anos com duodécimos. Essa é a alternativa dos que não vivem neste mundo. A solução é mesmo impedir uma crise política. Exigindo bom senso. Obrigando à racionalidade. Fazendo com que a política do compromisso se imponha à cultura da leviandade.