1 - O país ficou chocado com as imagens das condições desumanas em que viviam centenas de imigrantes em Odemira. Condições de vida infra-humanas, num país europeu, que se reivindica estar a convergir com a Europa.
De repente, tudo se resolveu: as redes que se dedicavam ao tráfico de seres humanos extinguiram-se; muitos dos traficados desapareceram da zona e os restantes foram alojados em habitações dignas. E por que razão o problema desapareceu tao subitamente? Porque o covid atingiu aqueles imigrantes e as televisões foram ao local fazer reportagens sobre a cerca sanitária decretada para duas freguesias. Não fosse a pandemia expor o problema e hoje tudo teria continuado na mesma.
Como é isto possível? Então o Estado não está organizado de maneira a detetar e combater este tipo de situações? Como pôde o Serviço de estrangeiros e fronteiras permitir que se desenvolvessem redes de tráfico humano em Portugal? E como pôde a Autoridade para as condições do trabalho fechar os olhos a autêntico trabalho escravo, enquanto frequentemente incomoda empresas com detalhes burocráticos inacreditáveis? E os sindicatos e confederações sindicais não têm por missão a defesa dos trabalhadores (ou só é trabalhador quem for sindicalizado e pagar quotas)? E a Câmara Municipal e as Juntas de Freguesia não conheciam a situação? Se a Câmara Municipal nada fez, merece uma forte censura; se denunciou a situação aos serviços do Estado e não foi ouvida, merece censura pela sua falta de peso e relevância política.
O simples cidadão, que vê tudo isto pela televisão, fica inquieto e perturbado. Inquieto por verificar que os serviços públicos não cumprem as suas funções com normalidade, mas apenas quando são espicaçados pela comunicação social. Perturbado por verificar que depois de tanta denúncia e de tanta polémica, nada aconteceu que possa tranquilizar-nos para futuro. Ninguém foi penalizado, ninguém assumiu responsabilidades, ninguém reconheceu erros e ninguém disse que medidas seriam tomadas para garantir que a ganância de alguns exploradores de força humana não voltaria a ter lugar. Quando o assunto esquecer, voltaremos a ser surpreendidos com reportagens televisivas semelhantes. Porque falta coragem de ir até ao fundo no apuramento de responsabilidades e adotar as mudanças que garantam que a mesma situação não volta a repetir-se.
2 - Fiquei desolado por verificar que o Estado Português não adquiriu a tiara de diamantes que pertenceu à Rainha D. Maria II. Perdeu-se a oportunidade num recente leilão em Genebra, onde foi vendida por 1,3 milhoes de euros a um comprador desconhecido. É com esta tiara que a rainha está retratada no imponente quadro da sala do trono do Palácio da Ajuda- e é justamente no Palácio da Ajuda que está a ser construído o Museu do Tesouro Real, onde ficarão expostas as joias da coroa.
Tenho para mim que o Tesouro Real virá a ser um sucesso de visitas, acrescentando enorme valor ao conjunto patrimonial valiosíssimo de Lisboa ocidental. Alem dos Jerónimos, da Torre de Belém, do Padrão dos Descobrimentos, do Museu dos Coches e do Palácio da Ajuda, passará a ser “obrigatória” a visita ao Museu do Tesouro Real, cujas obras estão a decorrer para abrir portas ainda este ano. Será um investimento com elevado retorno financeiro.
Além de inúmeras e magnificas peças de joalharia da realeza portuguesa, este museu tem para mostrar a maior pepita de ouro do mundo. É uma peça impressionante. Posso garanti-lo porque já tive o privilégio da a ver e de lhe tomar o peso com as próprias mãos.
Só é pena que a tiara de diamantes de D. Maria II não conste das peças a expor. A Ministra da Cultura sentirá grande embaraço no dia da inauguração do Museu, por não ter acautelado que a tiara estivesse no lugar que devia. Resta-me alguma esperança que o Estado Português venha a correr atras do prejuízo e consiga adquirir a peça a quem a comprou este mês em Genebra.