1. António Costa está na ribalta por estes dias. E não é pelas melhores razões. O seu comportamento no caso Miguel Alves deixa muito a desejar. As críticas vieram de todos os lados. Incluindo do próprio Partido Socialista.
Como é possível que o PM tivesse cometido um erro de principiante a convidar para seu Secretário de Estado um autarca com dois processos na justiça? Como é possível que o PM tenha decidido escolher para seu braço direito um Presidente de Câmara que não consegue explicar como é que faz um contrato em que adianta 300 mil euros de dinheiro público a um empresário, sem qualquer garantia a sem ter obra à vista? Como é possível que o PM tenha condescendido semanas a fio com um seu Secretário de Estado que se recusava a explicar o que tinha de ser explicado? E, no final desta história, como é possível que tenha sido o MP a “despedir” o governante, mostrando que o Chefe do Governo não teve a coragem de o fazer? António Costa, neste caso, agiu como nunca deve agir um PM: com imprudência, com falta de senso e com falta de coragem. Não é brilhante para a democracia.
2. Doutro lado, Carlos Costa é esta semana a figura central de um livro que analisa e escrutina 10 anos de mandato do ex-Governador do Banco de Portugal. Este homem não é um político e não teve um mandato fácil. Acresce que cometeu vários erros de análise e de comunicação. Mas, ao contrário de muitos políticos, agiu com coragem. Sobretudo quando afastou Ricardo Salgado do BES, naquele que foi o momento mais marcante e polémico do seu mandato. Aos olhos de hoje e com os dados de hoje, é facílimo advogar a saída de Ricardo Salgado. Aos olhos de 2014 e com os dados de então, a decisão de o afastar foi um acto de coragem. Afinal, Ricardo Salgado era um Estado dentro do Estado. Um poder que condicionava os outros poderes. Claro que se diz que Carlos Costa agiu tardiamente. Eu concordo com essa observação e cheguei a dizê-lo publicamente. Mas acrescento sempre o que outros preferem omitir: Carlos Costa pode ter sido tardio no afastamento de Ricardo Salgado, mas não deixou de o afastar. E eu, que conheço razoavelmente bem a natureza humana nacional, tenho as mais sérias dúvidas que qualquer outro no seu lugar tivesse tido a mesma coragem e tivesse tomado a mesma decisão. Quando vejo o medo de mudar um ministro que prevarica, de retirar um dirigente da oposição que se porta mal, de afastar um autarca a contas com a justiça, é nestes momentos que as minhas dúvidas acabam: Carlos Costa, mesmo agindo tardiamente, teve a coragem que poucos teriam para acabar com o reinado de Ricardo Salgado e com a cultura de traficância que ele representava. Pagou um preço pela decisão. Mas o País deve-lhe essa coragem.
E assim se fazem diferenças. Ao alto nível da vida pública em geral, as diferenças essenciais entre protagonistas não estão na preparação cultural, técnica ou política. A grande diferença está na coragem ou na falta dela. E em Portugal há muita falta de coragem.