Nos últimos anos, o Partido Socialista teve tudo o que pediu. A maioria absoluta, dispensa de negociações, um líder incontestado. O PS entregou uma política arrogante, dezena e meia de demissões e uma política de truques foi deixando os problemas agravarem-se. Mas esta não é apenas uma história de portas giratórias entre política e negócios. É mesmo uma história de má governação, que encolheu salários, reduziu o acesso à saúde e instalou a catástrofe na habitação.
Esta história começa em 2019.
Logo após as eleições de 2019 e à saída de uma reunião com as confederações patronais, António Costa anunciou a sua decisão de acabar com a geringonça. O Bloco fizera o que prometeu fazer: propôs um acordo escrito assente em dois princípios: salvar o SNS e mudar as leis do trabalho para aumentar salários. O PS recusou esse acordo e passou a governar sem maioria no Parlamento, preferiu navegar ao sabor do momento e livrar-se dos partidos de esquerda, a quem chamou “empecilhos”.
Sob a pandemia de 2020, os profissionais de saúde entregaram-se até à exaustão e suportaram condições esgotantes. Salvaram muitas vidas e aguentaram um SNS que já então estava preso por arames. O governo desdobrou-se em elogios, mas ao mesmo tempo ignorava os avisos de médicas e enfermeiros sobre a degradação dos serviços, recusando as medidas necessárias. Resultado: em 2021, a situação na saúde era insustentável e o Governo nem sequer tinha aplicado todo o dinheiro orçamentado para o combate à pandemia e o reforço do SNS. Voltaram os avisos para a contínua sangria de profissionais para os hospitais privados, mas o PS não deu resposta ao Bloco de Esquerda e limitou-se a exigir-lhe que fosse cúmplice da desistência. O Bloco não aceitou e não se arrepende disso. O que estava - e está - em causa é o acesso à saúde.
Depois, foi o que se viu.
António Costa aproveitou a rejeição do orçamento para 2022 e, com a ajuda do Presidente da República, fez cair o governo para tentar obter a maioria absoluta que sempre quis. Conseguiu-a e prometeu estabilidade e um governo para quatro anos.
A maioria absoluta caiu depois de 14 demissões. E essa queda deixou claro que a democracia tem sido empobrecida pelo regime de promiscuidade, facilitismo e privilégio. Conhecemos há muitos anos os nomes de grupos económicos e facilitadores de negócios que hoje enchem os noticiários. Mas não foi apenas pela falta de transparência que a maioria absoluta falhou. Para proteger os lucros dos bancos, a maioria permitiu um aumento descontrolado dos juros e levou centenas de euros do rendimento mensal das famílias. A crise da habitação tornou impossível pagar a renda com uma salário normal. Os salários, que já eram baixos, foram comidos pela inflação galopante e pela especulação com os preços dos bens essenciais que aumentou os lucros dos supermercados. A penúria nos serviços públicos deixou milhares de alunos com professores a menos e os hospitais em rutura.
Não lhes dar descanso
A história dos últimos anos foi uma história de desistências do governo. Mas houve quem não desistisse, quem saísse à rua pela habitação, pelo SNS, pela escola. Os especuladores e quem os protege sabem quem nunca lhes dará descanso. Nas próximas eleições, são essas as prioridades: corrigir os efeitos da negligência da maioria absoluta e fazer o que nunca foi feito. Nada menos.