“Das opções analisadas, a que apresenta maiores mais-valias, apesar do investimento,…é a que preconiza a requalificação do canal para via férrea de bitola ibérica”- Conclusão da Faculdade de Engenharia da U.P.
O debate que a Associação de Municípios promoveu no Europarque e que O Regional promoveu nos Paços da Cultura suscitaram múltiplas reações, através de entrevistas, textos de opinião ou nas redes sociais. Felizmente que há debate e que o assunto do comboio direto até ao Porto suscita interesse. A opinião é livre, mas a invocação de factos carece de rigor e que se evitem meias verdades.
Vejamos algumas objeções que têm vindo a ser apontadas à proposta de transformar o troço da linha do Vouga entre Oliveira de Azeméis e Espinho como um ramal da linha do Norte.
O tempo de transbordo em Espinho seria de apenas 5 minutos, logo pouco relevante, dizem alguns.
É preciso notar que entre o final da linha do Vouga (Espinho Vouga) e a estação de Espinho da linha do Norte distam 600 metros, que é necessário fazer a pé. E pago para ver se os cidadãos de Espinho autorizam que um comboio proveniente da linha do Vouga atravesse a cidade até à estação da linha do Norte, depois de toda a pressão que fizeram para eliminar o comboio à superfície. Para já não falar do impacto de eventuais atrasos da linha do Vouga: um atraso de três ou quatro minutos pode obrigar a esperar 20 ou 25 minutos pelo comboio seguinte.
Outros dizem que a correção do traçado para acolher a bitola ibérica obriga a construir 70% de nova linha. Quase nada se aproveitaria da linha atual.
Ora, os estudos que conheço apontam para a eliminação das curvas mais acentuadas, através da construção de 8,5Km de novas variantes, que irão reduzir o percurso em 2Km. Estes 8,5Km de novas variantes correspondem a 26% da linha atual e não a 70%.
Dizem outros que não faz sentido promover esta discussão a poucos dias do prazo da consulta pública.
Mas então, deveríamos fazer a discussão quando? Antes da consulta pública ser lançada? Ou depois do prazo da consulta ter terminado? Claro que é agora que o assunto deve ser discutido, sob pena de deixarmos consagrar um erro até ao ano 2050 (que é o prazo de validade do Plano Ferroviário). Em 2050 as crianças que agora estão na escola primária já terão os seus filhos na escola. E continuariam sem comboio direto até ao Porto.
Também já vi escrito que não faz sentido fazer esta discussão, agora que existem 100 milhões de euros no PNI 2030 disponíveis para as obras.
Esta é, a meu ver, uma das maiores falácias. O dinheiro que está previsto no PNI 2030 tanto pode ser aplicado na reconversão da linha mantendo a bitola estreita, como alterando-a para via larga. Não há nenhum projeto pronto para lançar a concurso, nem com uma nem com outra bitola. A pretensão de mudar para bitola ibérica não atrasa o lançamento de qualquer obra, porque nem projeto há.
Dizem outros que a construção de variantes para eliminar as curvas mais apertadas, vai obrigar a muitas expropriações.
E eu pergunto: alguma estrada, rua ou linha de caminho de ferro se constrói sem adquirir ou expropriar terrenos? Qual é a novidade? Os terrenos necessários serão comprados por negociação ou pagos pelo justo valor em processo de expropriação.
Também ouvi que a instalação de comboios de bitola larga obriga à eletrificação com voltagem elevada, podendo provocar impacto nas zonas urbanas.
Faço notar que Lisboa é atravessada em toda a sua extensão pela linha de cintura, com a mesma voltagem e sem qualquer problema. O mesmo se passa em Setúbal, em Olhão, Tavira, Guimarães…. É um não problema.
Insistem outros que a instalação da bitola ibérica obriga à construção de variantes, para reduzir curvaturas, que doutra forma não seriam necessárias.
Certo é que a construção de novas variantes irá eliminar as curvas mais apertadas e, por via disso, aumentar a velocidade da circulação para 80 a 100Km/hora. Não construir as variantes significa manter os atuais 30Km/hora ou, com algumas correções de traçado, ir até aos 50Km.
Também ouvi que no Japão há uma rede capilar em bitola estreita que funciona bem.
Se em Portugal houvesse também uma rede de linhas em bitola estreita, eu não me incomodaria. Se a bitola estreita nos levasse diretamente até ao Porto, eu não teria qualquer objeção à bitola métrica. O problema é que em Portugal não há nenhuma rede em bitola estreita. A linha do Vouga será a única em bitola estreita, portanto fora da rede. Além disso, no Japão os comboios de bitola estreita circulam a velocidades de 80 a 120Km/hora, enquanto o nosso circula a 30 Km e há quem se contente em aumentar para 50 Km/hora.
Julgo necessário esclarecer ainda alguns outros pontos. Em primeiro lugar, considero que há toda a oportunidade de avançar agora com os projetos de obras para garantir a ligação à linha do Norte. É que, dentro de cinco anos ficará concluído o troço da linha da alta velocidade entre Porto e Espinho ( de acordo com os planos do Governo). A partir dessa data, haverá espaço/canal para que os comboios provenientes da atual linha do Vouga entrem diretamente na linha do Norte. Paralelamente, em 2026 ficarão concluídas as obras da linha rubi do Metro do Porto. A partir de 2028 será possível, com a bitola ibérica, sair de S. João da Madeira e chegar em 40 minutos ao Metro do Porto nas Devesas( linha rubi) e 5 minutos depois na linha amarela, em General Torres, também em Gaia. Se não fizermos a alteração de bitola, os Sanjoanenses deixarão de aproveitar estas novas obras ferroviárias.
Finalmente, é necessário dizer com toda a clareza que o estudo realizado sobre este assunto pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto concluiu que, apesar de ser maior o investimento necessário, a melhor solução é a bitola ibérica. Depois de estudar cinco cenários alternativos, a conclusão foi:” Das opções analisadas, a que apresenta maiores mais-valias, apesar do investimento,…é a que preconiza a requalificação do canal para via férrea de bitola ibérica”. Não conheço nenhum outro estudo que tenha vindo defender conclusão diferente.
Isto é o que dizem os técnicos. E o que dirão as populações? Qual seria a resposta à seguinte pergunta: se tiver que deslocar-se de comboio entre S. João da Madeira e a cidade do Porto, prefere mudar de comboio em Espinho ou seguir diretamente? Ou então: se pudesse ir num comboio que demorasse 40 minutos entre S. João da Madeira e o Metro do Porto ( nas Devesas) com um passe mensal de 40 euros, passaria a usar o comboio em vez do automóvel?
Não estou a falar de nenhuma ficção. Falo duma ambição que está ao nosso alcance, que pode ser concretizada e que deve ser concretizada por ser a melhor opção, de acordo com as conclusões da Faculdade de Engenharia.
Só subsiste um problema: é a solução que custa mais dinheiro. Cerca de 45 milhões de euros mais cara. Mas não tenho dúvida que é justo fazer este investimento, se pensarmos que é uma obra para os próximos 80 ou 100 anos. E se pensarmos que nos últimos 115 anos não houve nenhum investimento ferroviário na nossa região. E que aqui vivem 300.000 pessoas. E que, sem esse investimento, continuaremos a perder tempo nas filas e a gastar a gasolina que vem degradando o nosso planeta.
Podemos limitar-nos a melhorar as estações, garantir uma bilhética moderna, adquirir comboios confortáveis e assegurar o cumprimento de horários. Tudo isso é bem-vindo. Mas os Sanjoanenses não optarão pelo comboio se ele não aumentar a frequência e a velocidade e se não garantir uma viagem confortável. Mudar de comboio em Espinho retira conforto e aumenta a duração da viagem. Logo, os Sanjoanenses continuarão a não usar o comboio. E assim se perderia uma grande oportunidade para alavancar o nosso desenvolvimento económico, social e ambiental.
Haja vontade e força política, coragem, ambição e arrojo dos nossos Autarcas.
Uma opinião acerca “Comboio direto até ao Porto – V”
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