O sucesso alcançado, em tão pouco tempo, pelos jovens emigrantes de Casaldelo não foi obra do acaso. Manuel Nicolau Soares da Costa e os irmãos consanguíneos José, Jaime, António e Américo beneficiaram de uma educação esmerada, assente nos valores nobres e no conhecimento transmitidos pelos pais, fatores que os diferenciavam da grande maioria dos adolescentes que, no final do século XIX, demandavam terras do Brasil. Basta atentar-se nos passaportes emitidos à época, para se perceber quão importante era o facto de eles saberem ou não escrever. “Escreve” era o mais importante dos “signaes particulares” da licença para poder viajar. Uma ferramenta indispensável para o êxito, que todos os irmãos Nicolau levavam consigo.
No início do século XX, todos eles se tinham já tornado importantes agentes da economia paraense, sobretudo dos setores comercial e industrial. Esta condição permitiu-lhes adquirir projeção social, como se depreende da leitura da história da Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará, de cujas diretorias fizeram parte, a par de outros sanjoanenses emigrados naquele estado do Brasil.


Por essa altura, voltam à sua terra de origem, para o reencontro com a família e aplicação de uma boa parte do pecúlio granjeado do outro lado do Atlântico, designadamente na construção de vivendas. Sem serem a figura estereotipada do “Brasileiro” presente nas obras dos maiores romancistas portugueses da época – Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis, Ramalho Ortigão e Eça de Queirós, designadamente – os irmãos de Casaldelo não conseguem furtar-se a alguns sinais que caracterizavam essa figura e que estão patentes nas casas que mandaram edificar no lugar, todas elas bem perto umas das outras e nas proximidades da casa modesta que lhes serviu de berço: “Propriedade Bellos”, de Manuel Nicolau Soares da Costa; “Quinta do Vale”, de José Nicolau; “Vila Maria Jaime”, de Jaime Nicolau; “Propriedade Babana”, de Américo Nicolau.
De todas estas moradias apalaçadas, ditas “casas de brasileiros”, que, pela sua forma, se destacavam das outras existentes em Casaldelo, a primeira é a que apresenta, hoje, melhores sinais de conservação, mantendo a traça original, se excluirmos o elemento fusiforme envidraçado que lhe é adjacente. A vivenda “Maria Jaime”, depois de um incêndio ocorrido na década de 1990, foi alvo de uma demolição envolta em acesa polémica. A da “Quinta do Vale” encontra-se em ruínas e será mais um atentado ao património arquitetónico de S. João da Madeira se, no processo de reconstrução, não for respeitada a traça original. A “Propriedade Babana” foi posta à venda em 1957, doze anos depois de Américo Nicolau ter requerido a nacionalidade brasileira e ter decidido passar os últimos dias da sua existência em Belém do Pará. O novo proprietário realizou obras na vivenda, que a transfiguraram profundamente.
Abrimos parênteses, para referirmos a casa apalaçada que se encontra no gaveto entre a N327 e a Rua Dom Mauro da Silva, já dentro de território cucujanense, residência de Artur Nicolau Soares da Costa, a partir de 1919, ano em que casou com Adelaide Soares da Costa. Este primo de Carquejido, filho de Daniel Nicolau, fazia parte do clã do Pará, para onde emigrou, em 1894, na companhia do irmão Manuel (Rei da Farinha). A casa mantém a traça original, encontra-se habitada e em bom estado de conservação.
António Nicolau Soares da Costa (Júnior), regressou do Brasil no início do século XX e faleceu, em 1907, com a idade de 27 anos, solteiro e sem filhos, supostamente em casa dos pais.
Nicolau Soares da Costa (1889-1968) teve um percurso de vida muito diferente do dos irmãos. Estudou e formou-se em Medicina, na Universidade de Coimbra.
Ao abrigo da aliança com Inglaterra, na qualidade de médico, integrou o corpo expedicionário português que participou na frente europeia da Primeira Guerra Mundial. Terminado o conflito, casa com Rita Cruz e viaja para o Brasil, onde aprofundou conhecimentos na Universidade do Rio de Janeiro, tendo obtido o direito de exercer, profissionalmente, medicina no “país irmão”.
Viaja depois para o Pará, onde reencontra os irmãos, e exerce, como médico de banco, na Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente. Ainda antes de completar 40 anos, regressa a Portugal, abriu consultório em Casaldelo e, a 10 de janeiro de 1928, começou a prestar serviço, como médico cirurgião do Hospital de S. João da Madeira.
Em 1936, mudou o consultório para a Rua Padre Serafim Leite e foi aí que suturou um corte no lábio inferior do autor destas linhas, corria o ano de 1956.
(Continua)
Uma opinião acerca “Casaldelo, Nicolaus e companhia (II)”