Opinião

As serras e a cidade, os seus habitantes e o jornal

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Começo este texto com uma declaração de interesses.
Em 2020, numa entrevista conduzida por António Costa, Daniel Neto reconhecia estar por fazer a história da imprensa de São João da Madeira. Como em breve seria o ano do centenário de O Regional, achei que o convite para escrever essa narrativa deveria ser endereçado ao entrevistado. Em reunião de sócios apresentei a ideia, o que prontamente foi aceite, com satisfação, por todos.
Ler um livro com este interesse pessoal, não é propriamente uma tarefa fácil. Isto foi uma novidade para mim. É preciso saber distinguir o lado emocional do restante.
O livro revisita os cem anos de edição de O Regional. Como é evidente, retrata a evolução da localidade. Começa com a aldeia, inserindo imagens que nos transportam para o Portugal descrito por Eça de Queirós, no seu romance “A cidade e as serras”. A dinâmica da evolução da povoação, o desenvolvimento conseguido, o reconhecimento desse progresso com o estatuto de vila e quase em simultâneo com a emancipação concelhia, seguindo anos de muito investimento, com uma sucessão de construções que demostram a melhoria do edificado, a implantação de várias indústrias e a oferta de valências ímpares na região. Uma história conhecida, com recurso a fotografias menos divulgadas, permitiu ao autor dar um cunho diferente neste capítulo, que muitos consideram ser de “ouro” no progresso da cidade, pelo incremento demográfico, pela dinâmica associativa, pela capacidade de criar emprego, pelas alterações económicas e também pelas melhorias nas infraestruturas municipais ou particulares.
As décadas sucedem-se, a demonstração do progresso mantém-se. A sequência histórica de Portugal está bem retratada no livro: a aproximação ao Estado Novo e os anos de censura, os dias da revolução militar, a democracia e a entrada para a comunidade europeia. Pelo caminho a obtenção do estatuto de cidade. E depois disso, nos muitos anos seguintes, fica evidenciado que o dinamismo da nova cidade não diminui. Continuou a transformar-se, a equipar-se e sempre a atualizar-se.
Nestas últimas décadas, São João da Madeira ganhou novos protagonistas, jovens a evidenciarem-se em vários desportos, mais gente ligada a atividades culturais, muitos deles frequentando os cursos ministrados no Centro de Arte e na Academia de Música. Ficou igualmente patente a maior capacidade de ensino, com a modernização dos seus estabelecimentos, permitindo uma melhoria na qualificação da população, permitindo uma aproximação ao conceito queirosiano. Outra vertente bem caraterizada por Daniel Neto é o “cuidar dos outros”. Chame-se caridade, assistencialismo ou solidariedade social, conforme a perspetiva ideológica de cada um, o certo é que as várias vertentes desempenhadas ficaram bem documentadas no livro.
A esta visão da cidade, dos seus habitantes, acrescentou o autor a história do jornal. Ao longo das quatrocentas e cinquenta páginas da obra, Daniel Neto vai apresentando curiosidades várias: a evolução do preço, o valor da assinatura, o preçário praticado na publicidade e as dificuldades na obtenção desta receita, imprimindo-se espaços em branco, com a inscrição “vago”, à espera de futuros anúncios. Com o livro, ficamos a saber que as dificuldades da imprensa dita local, não são de agora. À boa vontade e ambição de tornar O Regional com periodicidade semanal, seguiu-se, durante alguns períodos, a interrupção da publicação e o recuo para a edição quinzenal.
Um destaque nesta história do jornal centenário para os voluntários da edição. Autodidatas com vontade em superar as suas falhas, em suprimir as suas carências expondo as suas ideias, as suas opiniões, fazendo os seus reparos, os seus relatos, escrevendo as suas crónicas, tirando as suas fotografias. Tudo pelo prazer de partilhar, em preencher o tempo livre dos seus leitores, manifestando por palavras, ou imagens, a expressão do seu ponto de vista.
Daniel Neto, no dia da apresentação do seu livro, teve oportunidade de homenagear publicamente José da Silva Pinho e o Professor Ismaelino. No recato das páginas escritas desenvolveu uma interessante veneração a Manuel Pereira da Costa, com apreciação e interpretação dos seus escritos enquanto diretor de O Regional. Um reconhecimento oportuno que permitirá às gerações futuras, conhecer melhor as capacidades literárias do advogado e premiado escritor, recentemente falecido.
O livro de Daniel Neto descreve de forma factual a epopeia de O Regional. Com o seu conhecimento e com um toque de mestria, o autor confere ao jornal um estatuto de lendário, justificando-se, por isso, o epíteto de ser um dos símbolos da identidade de São João da Madeira.
Uma palavra de agradecimento para o autor, esperando ser brindado no futuro, enquanto leitor assíduo deste jornal, com mais revelações sobre a memória desta povoação. Sentimento certamente partilhado por os demais leitores.

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