Com a consciência de que deixei fora das “hortalices” dezenas de escritores portugueses que mereciam ser aqui mencionados, regresso hoje a temas mais próximos da horta. Desta vez vou dedicar-me aos frutos. Não é a primeira vez que o faço – lembro-me bem do chapéu da Cármen Miranda – mas agora vou fazê-lo de forma mais direta. E, como na semana passada se falou muito delas, começo pelas abóboras. Além disso, o a e o b garantem-lhe uma das primeiras entradas dos dicionários.
Primeiro facto chocante: D. Afonso Henrique nunca viu uma abóbora! Comê-la muito menos, até porque sendo comestível e boa, a abóbora teve tempos de má fama, felizmente já ultrapassados. Não é por acaso que, quando alguma coisa falhava, se usava a expressão “ora abóboras!”. Hoje a abóbora é bem aceite nas nossas cozinhas, nas sopas, nos bilharacos natalícios e nas compotas.
Ainda a propósito de abóboras, dois amigos alentejanos, filosofando entre hortas e sobreiros sobre a forma como os humanos tratam a natureza, tiveram este curioso debate. Argumentava o compadre Malaquias que, além das asneiras dos homens, a natureza também tinha coisas muito mal feitas. Naturalmente, o amigo questionou-o sobre os fundamentos de tal opinião. O Malaquias não conseguia compreender que uma planta tão frágil como a aboboreira desse frutos maiores do que a cabeça de um homem, enquanto o rugoso sobreiro, com aquele tronco enorme, apresentasse frutos do tamanho de um dedo. - Nunca tinha pensado nisso – respondeu o outro – mas está bem visto…
Chegada a hora da sesta, deitaram-se ambos sob a protetora sombra de um sobreiro. A páginas tantas, uma bolota madura soltou-se do ramo do sobreiro e acertou em cheio na testa do compadre Malaquias, que soltou uma imprecação – Diacho da bolota, fez-me aqui um galo na testa! O companheiro sorriu e rematou o debate com uma pertinente pergunta – Então, compadre Malaquias, ainda acha que a natureza tem coisas mal feitas?