Opinião

A terra cresceu - a festa mingou

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Vistosos cavalos, montados por garbosos elementos da GNR em farda de gala, do quartel do Carmo, do Porto, abriam alas entre a multidão para a passagem da imponente e majestosa procissão, sob a disciplinada liderança do Padre Moura de Aguiar, “Yustrich” de alcunha.
A Festa Grande, a tradicional festa da então vila, realizava-se no último fim-de-semana alargado de Julho, em honra de S. Tiago e S. Sebastião. Com programa de estoiro, destacava-se a “imponente e majestosa procissão”, que atraía milhares de forasteiros. Dezenas de andores preciosamente decorados e centenas de figurantes, sob exemplar organização e disciplina do Padre Moura de Aguiar, “Yustrich” de alcunha, faziam um longo percurso com duração de mais de três horas. Da igreja, pela EN1 até à Oliva, subindo até aos Bombeiros, descendo a Alão de Morais, Santo António, passando pela Praça e regressando à igreja pela R. do Dourado. Ao longo do trajecto, verdes, muitos verdes atapetavam, quase ininterruptamente, o chão pisado pelos figurantes, deixando um aroma marcante. Na cauda da procissão, surgido o pálio, num profundo e silencioso respeito, a multidão ajoelhava-se.
S. João da Madeira era exemplo também na procissão da Comunhão Solene, sempre em Maio. Então, das terras à volta, com realização posterior, no dia do Corpo de Deus, vinha muita gente apreciar a riqueza das vestes das meninas, para se inspirar na confecção de tais para os seus entes.

Gigantones, Zé das Farturas, Pascoalzinho, e matraquilhos Romualdo nos despejos da Molaflex

Já nas vésperas da Festa, gigantones percorriam as ruas centrais, assim como o célebre Zé das Farturas, figura típica do Porto, na Alexandre Herculano e Fontainhas, de óculos muito graduados, tabuleiro pendente do pescoço, de corneta e voz troante apregoava “olha as farturinhas, quentinhas e boas, far-tu-riiinh as!” do Pavilhão Couto que, durante muitos anos, tinha lugar reservado na Praça, ao lado da farmácia Central.
Já então, o potencial económico de S. João da Madeira impunha-se na região. Por exemplo, os pavilhões das farturas instalavam-se com semanas de antecedência e ficavam para além da festa; mudavam-se por escassos dias para a festa da La Salette e regressavam a S. J. Madeira mesmo sem festa.
Carrosséis, pistas de carros de choque, comboio fantasma, barracas de tiro e outros eram montados no grande verdeiro (hoje, da garagem LM até quase à Praça) em frente ao arranha-céus (Edf. Eldorado). Modernos matraquilhos, limpos, sem óleo a sujar os braços e com mesas niveladas, eram do Romualdo, com lugar reservado no aterro, onde viria a construir-se o edf. Robbialac e era despejado o lixo da Molaflex, aquando do seu berço na cave do Eldorado. Quase em frente, onde a família Ribas edificaria, a barraca do Pascoal, entretimento tão simples e tão apreciado. Espaço em círculo, rodeado de casotinhas com nomes de mulher, ao centro um porquinho-da-índia debaixo de caixa, que era levantada. Os participantes no jogo adquiriam senhas com nomes. Ganhava prémio quem detinha o nome do buraco em que o porquinho, baptizado de Pascoal, decidia entrar. E tantas vezes o “Pascoalzinho” demorava a decidir-se… Levando a patroa a clamar ao alto-falante: “Pascoalzinho, Pascoalzinho, ppppp”.

João Bombeiro(com o cesto), e à esquerda José Manuel Palreta e César Augusto (atrás). Julho de 1955.

Povo como nas Fontainhas do Porto 
Os músicos Matias, Eduardo, Veríssimo, Simão… E Sílvio Bastos, anos a fio, presidente das comissões

Comparável ao S. João nas Fontainhas, no Porto, era a mole humana que se movimentava da Alameda até à Praça, desta até ao Simões e ao coreto da capela de Sto. António, da Praça até à Leitaria e ainda pela R. do Dourado até ao Zulmiro.
Nos anos 50/60 a Festa Grande, com comissões presididas por Sílvio Bastos, durante anos a fio, era grandiosa. Os enormes cartazes, com programa de estoiro, em parangonas, anunciavam assim: 6 – BANDAS DE MÚSICA – 6. Credenciadas bandas, com quem rivalizava a de S. João da Madeira, com músicos como o Matias, o Eduardo Almeida “Campeão dos Poços”, o Veríssimo “Portugal”, pai dos Eça (hoquista) e Madalena (basquetebolista), o Ataulfo Simão (barbeiro), entre outros.
Na Segunda-feira da Festa, o Parque de Nª Sª dos Milagres, lotava-se com numerosas famílias alargadas à volta de mantas estendidas no chão com merendas, em salutar convívio.
Com o enorme progresso da terra e o desenvolvimento da malha urbana, foram escasseando espaços para as atracções do arraial. A “Feira Popular” sanjoanense, nos anos 70, chegou a instalar-se nos terrenos do primeiro troço, ainda não transitável, da que viria a ser a Av. Renato Araújo, do demolido Cinema do Chico até um pouco além da residência paroquial. A Festa Grande ia mirrando até deixar de se realizar. Há quem aponte a falta do bairrismo de outrora para justificar a situação.
Valha-nos o actual S. João da Ponte, sem barcos mas algo abrilhantado com as marchas das Escolas e outras instituições e, há anos a esta parte, com a retomada procissão, em moldes actuais.

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