A magia dos jogos de futebol entre bairros foi recordada por Flávio Neves, na entrevista que concebeu a este semanário em junho passado. Um regresso à infância, onde qualquer baldio virava campo e as equipas formavam-se pela área de residência. Uma honra territorial defrontar e derrotar os vizinhos. Era nestes jogos que se acalentavam sonhos de ter jeito para a bola e conseguir ser-se falado pelo bairro, ter visibilidade e ser convidado para jogar num clube de futebol, já com equipamento e chuteiras, num campo com rede nas balizas.
Os bairros tinham nome, as ruas nem por isso.
Os bairros tinham vida, faziam parte do lugar.
Às vezes a parte habitacional era o essencial do lugar.
Na semana passada, no seu artigo de opinião, Armando Margalho descreveu o seu bairro. O Espadanal, lugar toponímico de São João da Madeira. Uma descrição cuidada, pormenorizada, com detalhes importantes da sua vivência naquelas artérias. Há ruas a precisar de piso novo, escreveu Margalho e outras sem nome, acrescento eu.
Este tema é recorrente. Ressurgiu durante o período pré-eleitoral. Contabilizam-se mais de trinta ruas sem nome na cidade.
O atraso da resolução de uma comissão toponímica provoca estranhas omissões: por exemplo José Saramago, Miguel Torga e mesmo Amália Rodrigues são topónimos ausentes. Anteriores autarcas têm ficado esquecidos. Além de outros notáveis que serviram causas e instituições da cidade.
Há um longo hiato nestas decisões.
Tradicionalmente os nomes dos lugares e das ruas prevaleceram com raízes naturalistas, ou funcionais. As influências religiosas e históricas traduziram-se no batismo de determinadas ruas. A homenagem a homens das artes e a políticos foram surgindo com sucessiva espontaneidade.
As mudanças de regimes políticos por vezes modificaram a toponímica das povoações.
A implantação da República trouxe as suas alterações. Nestes mais de cento e dez anos, os vários regimes impuseram as suas vontades, mudando os nomes de praças, largos, avenidas e ruas, conforme a ideologia dominante.
Às vezes prevaleceu a incoerência.
Se a Rua da Liberdade e a Praça 25 de Abril, receberam os seus nomes, rapidamente, depois da revolução de 1974, outros topónimos prevaleceram com referência ao anterior regime.
Jaime Afreixo, líder da armada na revolução de 28 maio de 1926, continua a ser reconhecido em São João da Madeira, mas também no concelho da Murtosa, essencialmente por assinar o despacho de emancipação concelhia destes territórios.
Arantes e Oliveira, ministro das Obras Públicas entre 1954 e 1967, cidadão Honorário de vários concelhos, permanece na homenagem da cidade.
Estes tributos demonstram a gratidão da população a políticos que contribuíram para o seu desenvolvimento, independentemente do regime que serviram.
No capítulo das artes, é também frequente a homenagem a referências nacionais. Dá-se por adquirido a alusão a escritores de maior relevo, na maioria das cidades, ou vilas de maior dimensão. A coincidência de nomes de praças ou ruas não surpreende ninguém, pela ânsia dos autarcas em perpetuar o nome de tais honorabilidades, contribuindo igualmente para eternizar a obra do autor.
Às vezes há decisões precipitadas, ou mesmo datadas, marcando uma época, que anos mais tarde causam perplexidade.
Descobrir onde fica a Rua Aquilino Ribeiro em São João da Madeira é um exercício curioso. A ajuda informática não resultou. Tive que recorrer a um mapa da viragem de milénio, para encontrar um pequeno arruamento, que em nada dignifica a homenagem com que esta povoação pretendeu eternizar a memória do escritor beirão.
Cuidados a ter no presente, na possível atribuição toponímica, para evitar maus juízos no futuro.