O almanaque “Borda d’água” é um caso único de longevidade popular na nossa imprensa e na nossa para-ciência meteorológica, agrícola, zodiacal, comercial, canónica e o mais que se queira. Não emite avisos amarelos nem vermelhos, nem de qualquer cor, mas continua firme na liderança de publicações anuais da nossa imprensa. Publicado ininterruptamente desde 1929 pela mesma editora, a Minerva, define-se como um “reportório útil a toda a gente”. A primeira imagem que dele tenho vem das feiras dos Santos da minha infância. Nesse dia, o cauteleiro alargava o ramo de negócio e, além das cautelas, comerciava “Bordas d’água”. O meu pai não passava sem ele. Em noites de céu nublado, o almanaque do homem do guarda-chuva debaixo do braço e ferradura vermelha por cima do chapéu indicava o dia certo das fases da lua, dado fundamental nas sementeiras, nas podas e nas colheitas.
Por isso, saber, com antecedência, o tempo que ia estar era muito importante. Os primeiros sistemas de previsão meteorológica resultavam da experiência, numa espécie de meteorologia empírica. O “Borda d’água” inclui uma enorme panóplia de ditados e provérbios meteorológicos que resultam desse saber de experiência feito, uns de curto prazo, outros capazes de abranger um mês, uma estação ou um ano inteiro. E alguns são de grande fiabilidade. Mesmo nós, homens da cidade, reparamos na cor do céu ao pôr do sol, quando prevemos ir para a praia no dia seguinte.
Em tempo de previsões meteorológicas apoiadas em telescópios, em satélites, em modelos complexos e divulgadas pelos media, o “Borda d’água” permanece firme no seu posto, enquanto expoente máximo do desejo de conhecer e de prever os fenómenos do mundo que nos rodeia.