Os leitores e as leitoras de 'O Regional' ainda são do tempo - abril de 2022 - em que o primeiro-ministro António Costa explicava aos portugueses que era impossível conceder aumentos salariais ao nível da inflação. Foi assim que os trabalhadores da função pública sofreram um corte real de rendimentos, para “evitar uma espiral inflacionista”. Foi também por essa altura que Costa definiu a inflação como “temporária”. Entretanto, passou mais de um ano e o efeito acumulado da inflação já equivale a mais de 15%. E continua…
A leitura económica de António Costa alterou-se entretanto. Afinal, o risco de espiral inflacionista era mesmo uma treta. A origem da inflação não era o excesso de procura mas sim o estrangulamento da oferta em alguns setores. Por outro lado, confirmaram-se absolutamente as evidências (já evidentes há um ano) de que a guerra e a inflação estavam a ser usadas pelas empresas como um pretexto para aumentar as margens de lucro. O diagnóstico dessa pilhagem já não vem só do Bloco de Esquerda, mas está expresso nas estatísticas oficiais do BCE e do FMI. Já ninguém desmente: a maior parte da inflação resulta do aumento dos lucros das grandes empresas. Ela é uma máquina de concentrar riqueza e aumentar a desigualdade.
Apesar deste amplo consenso, a resposta do Banco Central Europeu vai no sentido de, ao efeito da inflação, acrescentar uma subida drástica da taxa de juro. O BCE dá a sua machadada do lado da despesa das pessoas, aumentando os encargos bancários das famílias, sobretudo com o crédito à habitação, para apertar ainda mais o garrote da procura. O resultado só pode ser um, estagnação económica e a queda de milhões de pessoas na pobreza ou na miséria (conforme o ponto de partida).
Perante este cenário de crise social agravada pela política do BCE, o primeiro-ministro criticou a sua presidente, Christine Lagarde. No entanto, Costa continua a recusar aumentos salariais ao nível da inflação e nega a criação de taxas sobre os lucros excessivos das empresas que contribuem para o aumento dos preços carregando nas margens. E ainda assobia para o lado quando o Bloco de Esquerda, perante a cimeira do Banco Central Europeu em Sintra, exige a presença de Lagarde no parlamento para explicar as suas opções aos representantes de quem as paga.
Percebe-se porquê. As lágrimas de Costa pelo aumento dos juros do crédito à habitação são só para o eleitor português ver. Basta lembrar que, ainda há poucas semanas, o próprio governo decidiu reduzir a remuneração dos certificados de aforro. Tudo para proteger os lucros da banca, que estava a perder muitos depósitos por pagar juros baixíssimos, inferiores aos dos certificados. Assim, novamente à custa da classe média, António Costa fez o que os bancos pediam. E certamente recebeu uma nota de felicitação de Christine Lagarde por mais este “aperto”, que é o termo da senhora para a política que promove. Uma política errada, já testada várias vezes e sempre com os mesmos resultados: recessão e pobreza para a maioria.
*Dirigente do Bloco de Esquerda