O artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que «Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».
Entre o que a CRP estabelece e a prática há uma diferença colossal. O Estado, refiro-me ao Poder Central, cuja responsabilidade assenta na Assembleia da República, no Governo e no Presidente da República, tem o dever de assegurar aos cidadãos uma habitação que garanta o consagrado na Constituição.
Em Portugal a habitação é um problema crónico, discutido há mais de 200 anos, muito debatido desde o inicio da industrialização, quando milhares de pessoas abandonaram os campos para trabalharem nas fábricas. Nunca o arrendamento privado foi solução capaz de resolver o problema da habitação. Por regra, os mais pobres são empurrados para os subúrbios das cidades e condenadas a viver muitas vezes, em condições de grande indignidade.
Na nossa cidade, no Verão de 1974, um grupo de jovens de uma associação designada Grupo Autónomo de Animação Social, foi para o terreno inquirir das condições de habitabilidade em S. João da Madeira e encontrou uma realidade muito pouco animadora. Grande parte das habitações não tinham condições satisfatórias de higiene e conforto, quase metade não tinham quarto de banho – limitavam-se a ter uma retrete, não sifonada, no quintal e nalguns casos uma retrete servia para várias famílias.
Após a Revolução do 25 de Abril, o Estado deu passos importantes para debelar o problema da habitação. Arrancou com bastante empenho e, por todo o País, foram construídos milhares de fogos: para habitação de rendas sociais e aquisição de casa própria, a preços económicos.
Por cá, no nosso concelho, o Estado com o apoio da autarquia, promoveu a construção de centenas de habitações de renda social e habitação própria a preços económicos. Fundo de Vila, Orreiro, Parrinho, Praça Barbezieux e Mourisca, são referências do esforço do Poder Central e do Município, muito relevantes, na promoção de habitação após 25 de Abril,
Infelizmente, nos anos 90 do século passado, os ventos da Senhora Thatcher contaminaram os nossos governantes, inclusive alguns que se reivindicam de esquerda, e o poder politico esqueceu o problema da habitação e a situação regrediu.
Mais recentemente, as medidas que o Governo do Partido Socialista vem implementando, são insuficientes para sairmos da situação de carência a que se chegou. A Câmara Municipal de S. João da Madeira, tem estado a tirar proveito de um conjunto de programas promovidos pelo Poder Central que temos de apoiar, apesar de acharmos ser absolutamente necessário dar passos maiores para resolver o problema. A solução só será encontrada se forem disponibilizados os meios adequados. É indispensável que o novo Governo abra um novo ciclo no capítulo da habitação.
Seria muito importante que houvesse uma entidade promotora de habitação pública dispondo de meios técnicos e recursos humanos capazes de projectar, planear, programar e executar investimentos no sector. O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) poderia e deveria fazê-lo, mas está muito aquém do necessário.
Simultaneamente, é urgente que:
– sejam garantidos um conjunto de meios que assegurem a estabilidade dos arrendamentos e restrinjam as situações de despejo;
– se crie um regime de protecção de habitação própria, passando os excessivos lucros da banca a suportar os aumentos bruscos das taxas de juro. Para isto, não é preciso fazer «tremer as pernas aos banqueiros», basta regular o crédito à habitação e usar a Caixa Geral Depósitos como meio moderador dos juros do crédito à habitação;
– se mobilize o património público para fins habitacionais – o que se passa em S. João da Madeira com as habitações abandonadas e degradadas da PSP e da GNR, são um exemplo do que acontece por todo o país.
O problema da habitação é um drama para milhares de famílias em Portugal e não é consolo, para quem o sofre, o argumento usado de que não estamos sós nesta desgraça, «pois o problema é de diversos países europeus».
O que se espera dos governantes é que promovam soluções que permitam às pessoas terem casas para morar que consigam pagar. Este é mais que um direito constitucional, é um direito humano que nenhum governo devia ignorar!
O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico.