Opinião

A candeia

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André Gil Mata recorre às recordações de casa dos seus avós, para compor o guião do filme “Sob a chama da candeia”.
A estrear brevemente, a previsão é estar em sala de cinema no próximo dia 10 de Abril, este filme é uma oportunidade para “colar” mais um fragmento, à memória coletiva de São João da Madeira.
Neste capítulo, as interpretações históricas que Rui Gomes e Daniel Neto têm partilhado com os leitores de O Regional, ajudam a conhecer o evoluir da povoação, das suas gentes e a sua vontade de prosperar, individualmente e enquanto comunidade. Pelos textos apresentados e pelas fotografias expostas vamos conhecendo gradualmente um pouco mais da história do território e por vezes somos surpreendidos com imagens de edifícios antigos, escondidos atualmente por detrás de modernos prédios, mas que na época em que foram retratados eram isolados e resplandecentes.
É precisamente numa dessas bonitas casas que existem na cidade, algumas consideradas como património de interesse municipal, o cenário do filme. Das suas janelas vê-se em frente a torre da igreja matriz e o rodar dos ponteiros do relógio transmite a passagem das horas, com o toque do sino, a fazer ecoar um som atemporal, que todos conhecemos pelos mais diversos motivos de proximidade ao local e que permite ao realizador cadenciar as memórias familiares e do próprio, criando uma sequência narrativa sem cronologia, em que os últimos dias de vida de sua avó são entrecortados por outros momentos da sua longa vida, sempre vividos naquela moradia.
Recordações da passagem do tempo, com alusões à infância, à ida do pai para o Brasil, aos anos de namoro, ao casamento, à vida de mãe, à vida de avó, à viuvez, entrecortadas com memórias pessoais do realizador, que já havia explorado o tema em “O cativeiro”, retratando este quotidiano de sua avó, Alzira, observando e guardando imagens, ajudando a fixar memórias que de outra forma são difíceis de preservar. Embora este documentário, editado em 2012, tenha ficado incompleto, o carinho que André Gil Mata sentia por sua avó, é bem demonstrado no decorrer do filme.
Em “Sob a chama da candeia” fica expresso a força e dignidade de Alzira. Os seus anos de jovem adulta, com aulas caseiras de piano e vontade de pintar, ajudaram a perceber a sua sensibilidade para as artes, apesar de sua vida ser formatada para estar em casa e constituir família. Este capítulo de cuidados de educação, permite enquadrar em matéria de afirmação pessoal, na época, as habitantes da casa de azulejos verdes, podendo fazer-se alguma analogia com a sociedade local.
Por outro lado, o problema do envelhecimento conjunto é também aflorado no filme. A incapacidade de reconhecer a perda de capacidades e a impossibilidade de cuidar dos outros é demonstrada com subtileza, mas de forma a ser evidenciada a capacidade de tomada de decisões de Alzira, mesmo bastante idosa.
André Gil Mata tem um percurso cinematográfico marcado por prémios e reconhecimento em diversos festivais de cinema, tanto em Portugal como no estrangeiro. Os seus filmes tendem a explorar temas como a passagem do tempo, a memória, a morte e a própria condição humana, compondo pela afirmação da sua própria estética visual e narrativa contemplativa.
Uma nota final para uma declaração de interesse. A atriz, que protagoniza a idade de jovem adulta de Alzira Martins, é a minha filha, Luísa Guerra, à qual não fiz referência nos parágrafos anteriores, para conseguir transmitir aos leitores uma visão do filme, na perspetiva de apreciador de cinema.

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