Educação

“A escola tornou-se num dos principais palcos de sofrimento a começar pelos profissionais”

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No dia 5 de setembro, durante o segmento dedicado à “Gestão do Stress e Prevenção do Burnout nas Jornadas da Educação”, ’O Regional’ teve a oportunidade de ouvir as dificuldades enfrentadas, diariamente, pelos professores que lecionam nas escolas

Uma das pessoas proeminentes presentes no evento que deu voz aos professores de S. João da Madeira foi a professora Raquel Varela (de Cascais), que liderou um estudo, em 2022, intitulado “Do Entusiasmo ao Burnout?”, sobre a situação social e laboral dos professores em Portugal. Os resultados desse estudo revelaram que “mais de 80% dos professores estão em exaustão emocional e mais de metade quer reformar-se, mesmo tendo apenas 30 anos”, dados que confirmam que estes profissionais estão a enfrentar níveis significativos de stress e insatisfação.
As pressões crescentes e as mudanças no ambiente de ensino têm afetado a paixão que os professores outrora sentiam pelo meio educativo. Em entrevista a ‘O Regional’, Fernanda Fernandes, professora do 1º ciclo da Escola dos Ribeiros, confessou: “Tenho 33 anos de serviço e há uns anos atrás, não era assoberbada com o “tu tens de fazer assim, tens de seguir este planeamento”. Eu tinha a minha liberdade na sala de aula, o que era uma coisa fantástica e trabalhava com prazer, mais do que hoje, sou sincera”.
São as “burocracias excessivas”, aquilo de que mais professores se manifestam negativamente. Rita Mendes, professora do 1º ciclo do Agrupamento de Escolas Oliveira Júnior, levantou a questão sobre “papéis que ninguém vai ler, relatórios que ninguém vai ler, grelhas que ninguém vai analisar” e de como isso pode levar a que “às vezes perdemos a oportunidade de direcionar as nossas forças para criar aulas divertidas e motivantes”. Sónia Pinho, professora do 1º ciclo do Agrupamento de Escolas João da Silva Correia concordou e afirmou: “Caímos num cansaço desnecessário, podíamos estar a trabalhar para os nossos alunos, mas trabalhamos para estas burocracias”.
Os professores lamentam que a profissão se tenha centrado mais no preenchimento de papéis do que na interação com os alunos. “Deixei de poder ser “a professora”, sou uma máquina de completar papelada, de dar notas, de apresentar evidências de que faço testes, etc.”, revelou Teresa Brandão, professora de Inglês da Escola Básica e Secundária Dr. Serafim Leite.
Mencionando, igualmente, um desafio adicional, envolvendo os pais, colegas professores e funcionários, em que destacou a dificuldade que alguns têm em compreender que as aulas podem ser conduzidas de maneira diferente da tradicional. “Sempre fiz meditação e trabalho com as cadeiras em U, estou nesta área de pedagogia sistémica e consigo chegar de outra forma aos alunos”, não apenas focando-me no conteúdo a ser lecionado, mas também nas necessidades individuais dos estudantes.
A perda de autonomia por parte dos professores deixa-os num constante estado de “cansaço, exaustão e com a sensação de trabalho inútil”, segundo Raquel Varela. A inquietação com o estado atual do sistema educacional obriga os professores a “deixarem de ser contentores de sabedoria e conhecimento, para serem uma peça dentro de uma estrutura que duvida deles. Todo o ensino, da maneira como se encontra, é uma limitação à nossa prática”, agregou Teresa Brandão.
No final da sessão, a professora e historiadora Raquel Varela enfatizou a necessidade dos professores recuperarem o controlo “em voltar a poder decidir como é que trabalham, para quem, qual o seu sentido do trabalho, a poder discuti-lo livremente, a ter acesso a uma carreira justa que não tenha afunilamentos injustos” e acrescenta que “sem isto, é absolutamente garantido que vamos continuar a assistir à degradação das escolas”, elogiando a quantidade de conhecimento, ideias e propostas geradas pelos próprios professores.
De acordo com esta nova realidade e uma filosofia partilhada pelos vários professores ouvidos, Cristina Marques, professora de Português da Escola Básica e Secundária Oliveira Júnior declarou que “a dignificação da figura e do trabalho do professor na escola e na sociedade” é fundamental para superar estes desafios, uma classe que, segundo a professora, “foi gradualmente beliscada, acinzentada, adulterada…”
De modo a criar um esforço na reformulação das escolas “há uma coisa que tem de ser feita para mudar o sofrimento no trabalho, o stress ou chamado burnout e isso é voltar a ouvir os professores sobre como devem funcionar as escolas”, concluiu a professora auxiliar da Universidade Nova de Lisboa, Raquel Varela.

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