O hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, proporcionou, nos últimos cinco anos, internamento domiciliário a mil e quatrocentos doentes, cento e trinta e quatro dos quais residentes em S. João da Madeira.
São cerca das nove e meia da manhã de uma terça-feira de chuva. Uma viatura do Centro Hospitalar, com uma médica e um enfermeiro, pára na Avenida da Misericórdia, em S. João da Madeira, frente à casa onde mora Maria Amélia Batista Gomes, de 87 anos. Munida de material médico, medicação, uma balança, medidor de tensão, estetoscópio e a capa do processo da doente, a equipa clínica é cumprimentada pela doente que, comodamente sentada à mesa, a tomar o pequeno almoço, oferece um café à médica Sara Montezinho e ao enfermeiro Nilton Silva. Muito bem disposta e com sentido de humor, Maria Amélia garante: “estes cafés sempre são melhores do que os do hospital”. À medida que a consulta decorre, também graceja que “até queria ir arranjar o cabelo para estar ainda mais gira para os receber, mas este tempo de chuva não me deixa sair de casa”.
Maria Amélia está no sexto dia de internamento domiciliário, depois de ter estado hospitalizada, durante outros seis dias, no hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira. Uma insuficiência cardíaca descompensada, associada a uma infeção respiratória que se complicou com uma infeção bacteriana, obrigou-a a receber oxigénio e ventilação não invasiva. “Estive a morrer no hospital”, diz, sem, no entanto, perder a boa disposição. “Estou toda negra nas mãos, já que arrancava sempre os cateteres, porque não sabia o que era aquilo que me espetavam e, como eu destruía aquilo tudo, mandaram-me para casa!”, graceja.
Quando melhorou, ao fim dos tais seis dias de internamento hospitalar, Maria Amélia foi encaminhada para internamento domiciliário. Confessa que, quando a médica lhe disse que ia para casa, ficou triste, porque sentia-se “muito acarinhada por todos, lá no hospital” e porque foi “muito mimada”, o que a leva a não ter “nada a apontar aos médicos e enfermeiros do São Sebastião”, durante o período em que esteve hospitalizada. Faz, apenas, um reparo à cama da enfermaria que lhe “dava cabo das costas, era muita fraquinha e quase que vim de lá marreca”. Apesar da empatia com que foi tratada no hospital, Maria Amélia não tem dúvidas de que “em casa está-se claramente melhor” e que “com as festas de Natal e de Ano Novo à porta, custa muito menos estar em casa do que no hospital”, porque tem “os mimos da filha” e uma vista privilegiada sobre a cidade.
Menos ansiedade, mais segurança e libertação de camas
Mais aconchego, menos infeções e menos stress para os doentes e para as famílias são vantagens da hospitalização domiciliária. O enfermeiro Nilton Silva, presente nesta assistência domiciliária a Maria Amélia, sublinha que as vantagens do internamento domiciliário passam pela “não alteração dos padrões de sono, porque os doentes estão na casa e em família, no seu conforto”, o que se torna particularmente importante para “as pessoas com idade mais avançada e com demências, para que não fiquem agitadas com as rotinas totalmente diferentes”, já que, “no hospital, há mais estimulação como sons, luzes, pessoas a falar e a agitação normal de um internamento”. Este enfermeiro reconhece, por isso, que, “em casa, a recuperação dos doentes acaba por ser mais rápida e o risco de infeções cruzadas não se coloca, é praticamente nulo”. Garante, ainda, que “o caso da dona Amélia é a prova disso mesmo: no início do internamento hospitalar, ela esteve mais confusa, mais agitada, foi fazendo nódoas negras porque os cateter foram saindo, já que ela não sabia bem o que se passava”, enquanto no acompanhamento em casa ela “já está mais compensada e mais orientada”.
Mas o conforto domiciliário também acarreta um custo para a família. “Tem que estar presente, disponível ser capaz de cuidar e, infelizmente, sabemos que nem todos têm estas condições ou capacidade”, ressalva o enfermeiro. Maria Amélia dá graças por ter quem a acompanhe em casa: “A minha filha Júlia é, agora, a minha empregada, está sempre preocupada com a medicação, com as horas, se estou bem ou mal e sabe tudo sobre a medicação que tenho de tomar”. E volta a sorrir em tom de piada, dizendo “tenho um medicamento novo que me vai pôr a correr mais vezes para a casa de banho!”.
A filha, Júlia Maria Ferreira, confessa-se “maravilhada com esta metodologia de internamento” que “nem sabia ser possível”. Diz ela que a equipa “vem cá todos os dias e estamos sempre em contacto, se for necessário alguma coisa”. E sublinha como grande mais-valia o facto de já “não sentir o stress de ir ao hospital, de ver a minha mãe numa cama do hospital, de sair de lá e ela ficar lá”, o que “criava sempre muita ansiedade”, quer na filha, quer na mãe. Além disso, reconhece que o facto de ter a progenitora em casa a deixa mais aliviada e menos preocupada porque “como a minha mãe tinha uma infeção respiratória e como, nestas idades, as defesas do organismo já não são muitas, só pensava que a minha mãe pudesse apanhar alguma bactéria hospitalar e as coisas pudessem correr mal”. A preocupação atenuou-se, no entanto, com a vinda da mãe para casa e “felizmente está tudo a correr bem”.
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