Cresceu em S. João da Madeira com uma bola de basquetebol na mão e o coração cheio de sonhos. Saiu cedo de casa, viveu em vários países, sofreu lesões, mas nunca deixou de lutar. Hoje, aos 30 anos, soma títulos em Portugal e continua a representar a Seleção Nacional. Nesta entrevista, fala sobre os desafios do feminino, a força para recomeçar e a importância de ter começado “em casa”.
Jornal O Regional: Começaste a jogar basquetebol na Sanjoanense, a tua terra natal. Que papel teve S. João da Madeira na atleta que és hoje?
Inês Viana: Podemos começar por dizer que S. João da Madeira é a minha casa. Portanto, só por aí, foi onde eu comecei a jogar basquetebol e foi onde eu me apaixonei pela modalidade, sendo a Associação Desportiva Sanjoanense (ADS) o clube que me deu condições para eu me conseguir formar e ser a atleta que sou hoje.
Consegues fazer um resumo do teu percurso desde a Sanjoanense até hoje?
Comecei na Sanjoanense com seis anos. Aos 14 fui para o Centro Nacional de Treino em Calvão, durante a semana treinava lá e ao fim de semana jogava pela Sanjoanense. Aos 16 anos fui para Lisboa e, aos 17, entrei para a Quinta dos Lombos, onde estive cinco épocas. Foi aí que joguei pela primeira vez a Eurocup. Depois fui para o Benfica, depois para o CAB Madeira, Olivais, e foi aí que ganhei vontade de sair do país. Joguei na Suíça, na Bélgica e na Bielorrússia. Acabei por voltar a Portugal e, na altura, o Benfica tinha o melhor projeto em termos médicos, financeiros e desportivos. Estou na segunda época desde esse regresso.
Foste vivendo várias fases fora da tua zona de conforto, desde a mudança para Lisboa aos 16 anos até à aventura no estrangeiro. Que aprendizagens tiraste desses passos?
É sempre espetacular! Tem o reverso da medalha, claro. Sair de casa obriga-nos a crescer. Quando fui para Lisboa com 16 anos, tornei-me independente muito mais cedo do que seria normal. Isso ajudou-me a ser a pessoa que sou hoje: mais madura, mais preparada. Viver no estrangeiro também não é fácil, estamos longe de tudo e de todos. Mas aprendemos sempre culturas novas, línguas diferentes, campeonatos exigentes. Somos obrigados a adaptar-nos e a crescer. Ficamos mais fortes.
Sentiste diferença no acompanhamento psicológico e físico entre o estrangeiro e Portugal?
Na altura, sim. Lá fora, esse acompanhamento estava mais desenvolvido. Mas hoje vejo que Portugal evoluiu muito, sobretudo na área da saúde mental. Já há muito mais apoio psicológico e emocional aos atletas. Por exemplo, na minha última lesão, já no Benfica, fui muito bem acompanhada. Acho que estamos no caminho certo e isso é ótimo.
Por seres uma atleta feminina, sentes diferença no tratamento entre o basquetebol masculino e feminino?
Sim, infelizmente ainda se sente. Mas estamos a dar passos no caminho certo. O basquete feminino tem mais visibilidade, sobretudo fora de Portugal, mas cá também se nota evolução. A federação tem feito um bom trabalho, temos patrocínio da Betclic que traz igualdade de condições. E conseguimos um feito histórico: apurar a seleção sénior para o EuroBasket pela primeira vez. Ainda não é igual, mas estamos a crescer. E agora com clubes como o Sporting a entrar na liga feminina, isso pode trazer mais recursos e crescimento.
És uma das poucas mulheres que consegue ser profissional em Portugal
Tens um percurso marcado por várias lesões, incluindo uma rutura total do tendão de Aquiles. De onde vem a tua força para voltar sempre mais forte?
A primeira foi com 16 anos, uma rutura de ligamento cruzado. Ficar parada foi horrível. Mas a vontade de voltar foi sempre maior que o medo. As lesões ensinam-nos muito. Tornei-me mais forte emocional e psicologicamente. Ganhei resiliência. E há sempre aquele sonho que me move, entre ser melhor, ajudar a equipa e ganhar títulos. Quando me magoo, foco-me em recuperar bem, física e mentalmente, para voltar mais forte.
Que mensagem gostarias de deixar aos atletas mais jovens?
É possível. Sou 100% profissional do desporto. Tive sorte, mas trabalhei muito para isso. Dou sempre 200% nos treinos e nos jogos. Isso é o que me distingue, a minha ética de trabalho. Quem quer seguir este caminho tem de estar disposta a dar tudo. As oportunidades estão a crescer, cá e lá fora e quem trabalha, colhe.
Com 30 anos, cinco títulos nacionais (dois pelo Benfica, um pelo Olivais, um pela Quinta dos Lombos e um na Bélgica) e de regresso à Seleção, sentes que estás no teu melhor momento como jogadora?
Sinceramente? Não. Mas isso não é mau. Significa que ainda tenho margem, ainda tenho ambição. O regresso à Seleção foi especial, claro, mas quero continuar a evoluir. Não quero estagnar. Ainda tenho muito para dar.
Entre títulos nacionais e internacionais, lesões marcantes, mudanças de país e regressos emocionais, é no compromisso diário e na ética de trabalho que se revela Inês Viana. Aos 30 anos, mais do que fazer contas a troféus, assume a maturidade como uma força e o amor pelo basquetebol como combustível. E mesmo sem considerar que vive o seu melhor momento, continua a crescer, dentro e fora de campo, inspirando novas gerações a acreditarem que o impossível pode ser só o início.