
Mário Pessegueiro, reconhecido arquiteto sanjoanense, reúne 30 questões no seu novo livro para estimular uma reflexão crítica sobre a forma como as cidades são pensadas e transformadas. O autor defende maior participação cívica
Jornal 'O Regional´- Como surgiu a ideia de reunir 30 questões para desafiar o leitor a repensar a cidade e que motivo o levou a transformar essa reflexão num livro?
Mário Pessegueiro - Reunir 30 questões sobre os problemas das cidades, diria que é o início. Penso fazer uma segunda edição com mais 20 ou 30 questões se possível, em coautoria com outros arquitetos urbanistas e pessoas ligadas à problemática das cidades. O tema é vasto e este livro, do modo como é estruturado, dará para ser aumentado.
O livro parte dessas perguntas para estimular uma reflexão crítica. Que urgência identifica hoje em desafiar os cidadãos a repensarem a cidade?
Serve para estimular reflexões sobre o que nos rodeia numa cidade. É urgente que as pessoas participem mais ativamente na cidade em que vivem ou trabalhem. Na cidade surgem imensas atividades que interagem entre si. Convivem imensas profissões. É saudável que as pessoas tenham ambições e aspirações para a sua cidade e não se alheiem do que se vai transformando.
Afirma que a cidade resulta de escolhas sucessivas. Que decisões considera prioritárias para melhorar a qualidade de vida numa cidade como São João da Madeira?
Romper com o passado em muitas estruturas viárias. O Município precisa de rasgar com novas artérias no espaço que tem para atrair depois investidores. Não se pode querer que os investidores façam as ruas, as avenidas e depois, no fim, ter altas taxas sobre as construções. Isso não é planeamento nem urbanismo que são da competência das Câmaras Municipais.
O comércio de rua surge como elemento estruturante. Que papel mantém na vitalidade urbana?
Tem um papel incrível na vida e na essência das ruas de qualquer cidade. O comércio local pode moldar-se com novas utilizações mais facilmente do que no interior de um shopping. Agora, não lhe tirem o estacionamento e boa acessibilidade dos clientes, senão ele morre. “No parking, no business”, como alguém disse.
A arquitetura é apresentada como ferramenta de transformação. Onde identifica as principais limitações na forma como as cidades portuguesas têm integrado a arquitetura no seu desenvolvimento?
Antes da Arquitetura de qualidade de um edifício, vem a qualidade do urbanismo a desenvolver numa cidade. Isso passa por não permitir prédios em cima de casas unifamiliares, por exemplo. Haver coerência do que se constrói e que qualquer pessoa entenda. No bom urbanismo não existem atropelos dos direitos habitacionais das pessoas. No bom urbanismo, as construções surgem bem alinhadas face à via pública que as serve. Curiosamente, certos bairros sociais de São João da Madeira, que visitei muito de perto recentemente, são bons exemplos de urbanismo. Bem arborizados, ruas tranquilas, construções de média altura bem afastadas das vias e com recintos desportivos.
“Faltam debates e discussões sobre os destinos para a cidade”
Num território de menor dimensão, que relevância atribui aos museus e ao seu contributo para a construção da identidade urbana?
Nos museus está presente a identidade histórica de qualquer cidade ou país. Mas estes têm de estar próximos dos cidadãos. Terão de ser mais proativos. Além de que precisam ter horários que sirvam os cidadãos.
A mobilidade continua a ser um dos debates centrais do urbanismo. Que mudanças considera inadiáveis na organização dos fluxos dentro das cidades?
Alterações dos perfis de muitas ruas da cidade para deixar de ser uma cidade pensada para os automóveis, como foi pensada há décadas. Isso não implica abate de árvores, mas sim eliminação de muitos separadores e mesmo de rotundas que foram forçadas. Só a partir daí haverá passeios mais largos e melhor mobilidade para transportes públicos.
“Os desenhos acompanham sempre tudo o que escrevo”
A pandemia alterou práticas e perceções sobre o espaço público. Que aprendizagens permanecem por aplicar?
A meu ver não alterou muito. O povo esqueceu rapidamente esse período e até se exagerou em todo o tipo de eventos. Exagerou-se também na mobilidade através do avião, com um tipo de turismo sôfrego em todo o lado. Aquilo a que se chama “turismo predador”. Há que fomentar um turismo mais diversificado, com menos recurso ao transporte aéreo. No Porto pousa um avião em cada 3 minutos e em Lisboa é pior ainda. Não vejo que isso traga nada de bom para as cidades, em especial para o futuro das mesmas e sua preservação de vivência.
Os seus desenhos e pinturas acompanham cada capítulo. Que contributo acrescentam à leitura crítica da cidade?
Os desenhos acompanham sempre tudo o que escrevo. Acho que as ilustrações ajudam a reforçar uma mensagem. Para mim é um desafio acrescido ilustrar o que escrevo. Ou anexar uma imagem por vezes alusiva ao assunto.
O livro enfatiza a participação cívica. De que forma pode esse envolvimento influenciar decisões políticas e técnicas?
A participação cívica é o maior inimigo à ignorância e ao silêncio. Nela se discute, se aprende e por fim se decide. Com natural civismo e sem discursos de ódio. É o melhor que a democracia nos trouxe. Na Grécia antiga, há mais de 2000 anos, as assembleias municipais eram cheias de discussão e arrastavam-se pela noite dentro. Por exemplo, a nossa Assembleia Municipal só permite 5 minutos para o público falar. Parece-me muito pouco.
Refere que uma cidade só ganha consistência com participação ativa. O que falta para que esse envolvimento seja mais efetivo em São João da Madeira?
Faltam debates e discussões sobre os destinos para a cidade. Isso pode e deve ser organizado pela autarquia. Há uns bons anos atrás havia à noite na Câmara Municipal a “Agenda 21”, que era próxima disso.
As cidades resultam de decisões políticas acumuladas. Que avaliação faz das estratégias urbanas adotadas pelos municípios portugueses e onde identifica maiores resistências à mudança?
Em boa verdade, não vejo quaisquer estratégias urbanas adotadas pelos municípios. Vejo sim medidas avulsas, se tiverem luz verde de fundos comunitários.
Quando estará o livro disponível, onde poderá ser adquirido e para quando está prevista a apresentação pública em São João da Madeira?
Está já nas livrarias “Lusiada” e “Santo António” em São João da Madeira. Estará ainda na “Ordem dos Arquitetos”. Estou em negociação com as grandes editoras, que farão uma distribuição mais abrangente, pois é uma edição de autor que seguiu todos os registos legais, que foram rapidíssimos. Fiquei contente em enviá-lo para a Biblioteca Nacional. O lançamento oficial gostaria que ocorresse na Biblioteca Municipal desta cidade, a ser em janeiro ou fevereiro. Falta pouco!
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