Cultura e Lazer

Helena Lestre regressa com a poesia de quem viveu e ainda tem muito para dizer

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No dia 7 de junho, pelas 16 horas, a Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo acolhe a apresentação de “O Bailado da Nossa Geração”, o mais recente livro de poesia de Helena Lestre, autora autodidata, antiga modista e comerciante da cidade.
Com uma vida desenhada entre linhas, balcões e silêncios guardados, a autora, já aposentada, encontrou na escrita o espaço onde finalmente pôde respirar e dizer tudo aquilo que durante décadas ficou por dizer, escrevendo hoje com a força de quem carregou o mundo às costas.
“Eu descobri a necessidade de escrever aos 65 anos, quando me reformei. Até lá, nem tempo para ler uma revista cor-de-rosa eu tinha. Eu até ficava admirada com as pessoas que liam tanto. Sempre tive a vida ocupada com o trabalho, com a loja, com as clientes, com a casa”, contou Helena Lestre, ao Jornal 'O Regional'.
Helena Lestre escreve como quem cose palavras ao tecido da vida. O processo é meticuloso e íntimo, começando sempre à mão, no silêncio da sua mesa, onde as ideias ganham forma no papel. Só depois as transporta para o computador, onde as revê com olhos críticos. Corta, reescreve, muda versos de sítio, acrescenta ou depura. “É um processo longo, mas necessário”, explicou. Porque para Helena Lestre, a escrita não serve para exibir, mas para revelar inquietações, memórias, esperanças e revoltas. “A perfeição não me interessa”, diz-nos. “O que eu procuro, sempre, é a verdade.”

Poesia como denúncia, grito e abraço

O título do livro “O Bailado da Nossa Geração” remete para o movimento incessante e desordenado da vida. Mas também para uma dança silenciosa, feita de resistências, de escolhas difíceis, de ausências. “A minha geração não teve tempo para sonhar. Viveu para trabalhar, para criar filhos, para manter a dignidade. E agora vê um mundo a escorregar por entre os dedos, como se tudo aquilo por que lutámos tivesse sido em vão”, disse.
Esta publicação não é apenas um conjunto de poemas mas algo que, nas palavras da autora, é “uma crítica ao estado atual do mundo, em formato de poesia”. Trata-se de uma escrita visceral, tocada por um olhar atento e inconformado. “As pessoas perderam a vergonha e as televisões fazem disso espetáculo”.
O livro, dividido em vários núcleos temáticos, percorre a infância, a memória dos tempos antigos, a crítica social, a violência banalizada, a infância roubada, a ausência de valores. Mas também o amor, a esperança, a amizade e o acolhimento. “Há poemas que são gritos. Outros são orações. Outros ainda, desabafos. Eu escrevo como falo, com a alma.”
Nascida em Oliveira de Azeméis e residente em S. João da Madeira há 52 anos, Helena Lestre sente as duas cidades como parte da sua identidade. Mas confessa ter ficado sentida pela apresentação oficial do livro ter acontecido primeiro fora da cidade onde construiu a sua vida. “Apresentei o livro em Oliveira de Azeméis a 3 de maio, porque não havia vagas cá. Entendo que os de fora também têm direito, mas eu gostava que tivesse sido cá primeiro. Porque S. João da Madeira é a minha casa. Foi onde fiz a minha vida, onde ganhei o meu dinheiro”, onde foi comerciante durante 40 anos.

“Fiz de tudo e faço de tudo”

A autora tem orgulho em ser autodidata. “Fiz de tudo e faço de tudo. Tirei o curso de corte e costura no Porto, fazia vestidos de noiva com 20 anos. Trabalhava desde nova. Tive de aprender a vida muito cedo”.
A escrita surgiu como necessidade acumulada. “Foi a ansiedade de muitos anos sem escrever. Sem tempo. Agora parece que me agarro às letras, porque foi aquilo que me faltou”. Na sua poesia, Helena Lestre fala também da infância roubada a tantas crianças em situações de vulnerabilidade. “As crianças de hoje precisam muito de nós. De carinho, de respeito. São as pessoas do amanhã. Temos de dar-lhes um futuro bom. Porque o mundo já anda tão doente…”, acrescentou.

Uma mulher, muitos papéis

A escritora é daquelas pessoas que não se deixa catalogar facilmente. “Fui comerciante, costureira, mãe, mulher, poetisa. Fui tudo e de tudo aprendi e de tudo se aprende. Aprendi a trabalhar com as mais variadas pessoas. Aprendi a lidar com os clientes. No balcão também se aprende muito”, referindo a importância de sabermos falar, escutar e até mesmo improvisar.
Agora, passados dois anos desde a sua última publicação, Helena Lestre continua a escrever com mais intensidade do que nunca e garante que “enquanto houver letras dentro de mim, eu vou continuar a pô-las cá fora. Porque o mundo precisa de ser dito, mesmo que doa e mesmo que canse”.
Para quem for à apresentação, levará mais do que um livro. Levará a certeza de que a escrita não tem idade, a poesia não tem estatuto, e a arte mais poderosa é, muitas vezes, aquela que nasce do silêncio acumulado ao longo de uma vida.

 

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