Foi no passado domingo, primeiro do ano, que o Auditório Marília Rocha recebeu mais um concerto do ciclo AcáMúsica, desta feita, pelas 10h30.
Adriana Ferreira, atual flautista principal da Orquestra da Accademia Nazional di Santa Cecília, em Roma, e um dos muitos talentos da música erudita portuguesa que, nos últimos anos, se transformaram em referências internacionais, apresentou-se em palco com Isolda Rubio, também ela uma referência no acompanhamento pianístico em Portugal, temática à qual dedicou e publicou a sua tese de mestrado, intitulada “A influência do pianista acompanhador na aprendizagem musical dos estudantes de instrumento”, brilhando numa luz sonora tão intensa que resplandeceu sobre uma plateia completamente rendida ao recital a que assistiram. Ao longo de uma hora, o concerto comentado pelo residente José Luís Postiga, iniciou com o registo de melodia caracteristicamente popular, que assinala a primeira das 4 peças da Fantasia do compositor português Eurico Carrapatoso, evoluiu para o ambiente campestre representado pela pequena peça Bucolique da compositora francesa Monic Botella, cresceu em ‘peso’ de repertório com a referência Sonata para Flauta e Piano de Francis Poulenc e terminou com o virtuosismo da Ballade de Frank Martin, composta para ser peça obrigatória do Concurso de Genebra em 1939, concurso no qual Adriana Ferreira obteve em 2014 o mais alto prémio atribuído nessa edição do concurso e ainda o Prémio Especial Coup de Couer, patrocinado pela marca relojoeira suiça Breguet.
Neste registo de obras cronologicamente decrescente, a abordagem musical fez um caminho inverso: do conceito mais melódico, tangível, de maior envolvência e discurso mais direto, para enredar uma teia em direção a um final apoteótico, em que a linguagem mais dissonante e contemporânea é enquadrada num registo de enorme virtuosismo técnico e estilístico. O conceito abordado por ambas na elaboração do programa e sequência de repertório acabou, por isso, por funcionar de forma perfeita. Contudo, a humildade tão característica dos verdadeiros génios, que conseguem ficar tão extraordinariamente surpreendidos com um espetáculo de grande pirotecnia como com a beleza de uma tão simples flor silvestre que nasceu num sítio improvável, fez que ambas escolhessem a singela, simples, limpa e lânguida melodia da segunda peça de Carrapatoso para encore do concerto. Foi um concerto perfeito, para um ano que se deseja perfeito para todos e, de preferência, repleto de momentos tão gentilmente brilhantes como este concerto.
Feliz 2025!