Sociedade

“Ser a primeira engenheira a vencer o Prémio Secil é, sem dúvida, marcante”

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Marisa Ferreira, engenheira sanjoanense, foi galardoada com o prémio Engenheiro do Ano nos Prémios Contruir 2023, iniciativa que premeia os melhores da engenharia, arquitetura e construção em Portugal.

Jornal ‘O Regional’ - Foi galardoada com o prémio Engenheiro do Ano nos Prémios Construir 2023. Quando foi que soube e o que representa este prémio para si?
Marisa Ferreira - Recebi o Prémio Construir 2023 no passado dia 16 de outubro. Este prémio é o reconhecimento do meu percurso na área da Engenharia Civil, que se iniciou em 1998, e que, claro, me enche de orgulho. Sendo-me atribuído em 2023, não deixa de ser o reflexo de todos os trabalhos em que estive envolvida, e o resultado conjunto das equipas que orgulhosamente fiz parte durante o meu trajeto profissional.

Foi a primeira vez, em cerca de 30 anos, que este Prémio Secil foi atribuído a uma mulher. O reconhecimento é ainda maior? Acha que o papel da mulher nestas áreas começa a ter um maior reconhecimento e visibilidade?
É com imenso orgulho que, enquanto engenheira e mulher, recebo este prestigiado prémio, tido como a maior referência no campo da Engenharia Civil em Portugal. É um orgulho, uma honra. Mas não posso deixar de frisar que é um prémio que resulta de um trabalho de equipa do departamento de Estruturas da empresa Fase-Estudos e Projectos SA. Foram muitos meses de trabalho e dedicação, para que o projeto resultasse na obra que hoje pode ser visitada em Lisboa. No entanto, as circunstâncias são também especiais, o edifício é especial e particular. Não tenho dúvidas que foi a colaboração entre a Arquitetura e a Engenharia que fez sobressair o edifício, tornando mais fácil arrecadar o prémio.
Ser a primeira Engenheira a vencer o Prémio Secil é sem dúvida, marcante. A presença e o papel das mulheres na engenharia são claros e cada vez mais reconhecidos. Há muitas mulheres engenheiras com carreiras de sucesso. Ser a primeira tem apenas uma responsabilidade acrescida. O mérito nada tem a ver com o género.

O fator sorte também se coloca?
A sorte não deixa de ser o reflexo do nosso trabalho. Desde logo, foi necessário vencer um concurso nacional para o projeto do Novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa. Depois, concretizar o projeto de engenharia, em todas as suas competências e disciplinas, em colaboração com a Arquitetura, resultando na obra que hoje marca a paisagem de Lisboa, exigiu empenho e dedicação. Muitas horas de trabalho, reuniões, visitas à obra, etc. Mas, sim, a sorte é sempre bem-vinda.

Que critérios estiveram em cima da mesa para a atribuição do prémio?
O Prémio Secil de Engenharia Civil é atribuído através de um concurso nacional e tem como objetivo incentivar e promover o reconhecimento público de autores de soluções que tenham sido aplicadas em obra, sejam contribuições significativas para o enriquecimento da engenharia civil portuguesa.
O edifício do Novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa é um edifício especial e particular, porque está implantado no interior da Doca do Jardim do Tabaco, e a sua conceção é resultado de vários condicionamentos diretos, quer ao nível do projeto de Arquitetura quer no projeto de Estruturas. A conceção estrutural do edifício foi fortemente condicionada pelas condições geológico-geotécnicas do local e pelas condições resultantes da intervenção no aterro da Doca do Jardim do Tabaco.
É um projeto que teve ainda foco na procura de um novo produto, tendo recorrido a um betão estrutural leve com aglomerado de cortiça natural reciclada, de forma a reduzir o peso da estrutura do edifício sem comprometer a sua resistência, sendo 40% mais leve que um betão normal, satisfazendo todos os requisitos de projeto: resistência mecânica, redução de massa volúmica do betão, garantia de qualidade de acabamento, isolamento, durabilidade e sustentabilidade. A execução das fachadas com betão leve estrutural branco foi um ponto alto desta obra.
O Edifício do Terminal de Cruzeiros apresenta ainda outras particularidades, como a transparência pretendida nos alçados Sudoeste e Nordeste, conseguida através de pórticos em betão armado pré-esforçado com vãos da ordem dos 40 m, que podemos comparar com um vão de uma viga de uma ponte.
Não tenho dúvidas que foi a colaboração entre a Arquitetura e a Engenharia que fez sobressair o edifício tornando mais fácil arrecadar o prémio.

Nestes 25 anos de profissão este não foi o primeiro prémio que
recebeu…

Acabei a Licenciatura em Engenharia Civil, na Universidade do Minho, em 1998.
Ainda estudante, e face ao meu percurso académico, fui selecionada para estudar durante 6 meses na Universidade Politécnica de Barcelona. O meu primeiro prémio foi o 1.º lugar da Bolsa Erasmus que me permitiu ir para Barcelona estudar e concluir a licenciatura com o grau académico de Barcelona e de Portugal.
Para além dos dois prémios já anteriormente referidos, conto ainda com mais dois prémios: Prémio Engenharia 2017, Melhor Projeto Público, com o projeto do Novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa atribuído pelo Jornal Construir, quando integrava a equipa na Fase-Estudos e Projetos SA; e Prémio Engenharia 2023, Melhor Projeto Privado, com o projeto das Novas Instalações da Fischer, em Amarante, como Gestora do projeto da equipa da afaconsult, onde hoje desenvolvo o meu percurso profissional.

“Continuamos a fazer a nossa vida familiar em S. João da Madeira”

Marisa Ferreira é natural de S. João da Madeira. Como se descreve enquanto engenheira, mãe, mulher…
Sinceramente, é uma pergunta difícil de responder. Nunca é fácil falar em causa própria. Prefiro que sejam os outros a descrever-me (risos). O que posso afirmar é que procuro um equilíbrio entre o meu papel de mãe, mulher e profissional. Podendo, à partida, ser distintos, estes três papéis estão interligados. O desafio é conseguir estabelecer esse equilíbrio.

Neste momento qual é a sua ligação a esta cidade?
Quando acabei a Universidade, voltei para viver cá, casei-me cá e vivemos durante uns anos na cidade. Por várias razões, há alguns anos, decidimos ir viver para os arredores, mas continuamos a manter a nossa vida em S. João da Madeira. Todos os compromissos sociais, ou necessários no dia-a-dia de uma família, são feitos na cidade. Continuamos a fazer a nossa vida familiar em S. João da Madeira, uma vez que os meus filhos estudaram, ou ainda estudam, nas escolas da cidade.

Isso quer dizer que estudou nas escolas de S. João da Madeira…
Sim, estudei cá. Como a minha família vivia, e vive ainda em S. João da Madeira, fiz todo o meu percurso escolar aqui, tendo saído apenas para a Escola de Engenharia da Universidade do Minho, em Guimarães. De qualquer modo, voltava todos os fins-de-semanas, porque sempre fui muito ligada à cidade, à minha família e aos meus amigos.Sim, as tradicionais memórias de infância de podermos andar na rua, na brincadeira, com os amigos, depois de fazermos os trabalhos de casa. Uma cidade que, na altura parecia-me grande, e onde tínhamos tudo para ser feliz. São João da Madeira sempre foi uma cidade feliz para se viver e com um bom ambiente. Ainda hoje continuo a manter os amigos de infância, certamente muito por causa das memórias que criámos na infância.

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