1. Os portugueses não costumam dar muita atenção à política internacional. Mas esta tendência tem vindo paulatinamente a mudar. Afinal, política externa cada vez se confunde mais com política interna. E duas guerras muito próximas de nós, no espaço de pouco tempo, não deixam ninguém indiferente. A questão é séria de mais para ser desvalorizada. Afinal, sofremos as consequências do que se passa à nossa volta. Sem termos qualquer hipótese de intervir, para prevenir ou condicionar.
2. Não podemos intervir, mas sabemos questionar. E há questões que não podem deixar de ser questionadas:
• Como foi possível que as Nações Unidas não tivessem tido uma intervenção minimamente eficaz para prevenir a guerra na Ucrânia?
• Como é possível que a Rússia, um dos membros permanentes da ONU, ainda por cima com direito de veto, viole dia a dia a carta das Nações Unidas e tudo continue impunemente na mesma?
• Como é possível que, no Médio Oriente, a ONU não consiga sequer impor uma operação consistente de apoio humanitário em Gaza? As vidas humanas não se lamentam. Defendem-se.
• Como é possível que em duas guerras próximo de nós – a da Ucrânia e a do Médio Oriente – estejamos a lidar com um “barril de pólvora” e a mediação da ONU seja uma irrelevância? O “barril de pólvora” não é um exagero retórico. Basta pensar que Rússia, Israel e Irão – três países empenhados nestas duas guerras – são três países detentores de armas nucleares. E também não são, em termos de litígio, “flores que se cheirem”.
• Como é possível, no fundo, que a ONU – a maior, mais digna e mais relevante organização criada depois da 2ª Guerra Mundial – seja hoje uma nulidade em termos preventivos e uma inexistência em termos reativos, limitando-se à retórica oca e circunstancial?
3. A culpa não é de António Guterres. Ele não é o réu. É a vítima. A vítima de uma degradação institucional como nunca se viu na ONU. A vítima de um sistema que implodiu há vários anos sem que haja capacidade para o remendar ou coragem para o reconstruir. António Guterres bem se tem batido pela reforma das Nações Unidas. A responsabilidade não é sua. É dos grandes deste mundo. Constroem soluções potencialmente paralelas: o G7, o G20 e outras equivalentes. Na prática, o que temos, é o G0. Estamos mesmo no grau zero da mediação, regulação e supervisão de conflitos. O que é assustador num mundo cada vez mais instável e multipolar. E, pior ainda, num sistema onde a capacidade de intervenção a posteriori é praticamente nula.
Este é, infelizmente, o mundo em que vivemos, complexo e perigoso. A solução não é resignar ou ignorar. Como diz Sofia, “lemos, ouvimos e vemos. Não podemos ignorar”. O caminho é questionar, verberar, exigir e lutar. Precisamos de um mundo melhor. Para isso, precisamos de apoiar António Guterres. Se ele vencer, todos venceremos. Se ele perder, todos perderemos. Haja esperança.