Quando a antiga diretora da Biblioteca Municipal Doutor Renato Araújo, Maria Helena Cruz e as suas funcionárias Margarida Umbelino e Isabel Silva propuseram à Câmara Municipal de S. João da Madeira, liderada pelo doutor Castro Almeida em 2003, a realização de uma iniciativa cultural que levasse a Poesia para os cafés, os restaurantes e os bares da nossa cidade, para onde as pessoas se reúnem e as incentivasse a ganhar mais hábitos de leitura e um maior gosto pela Poesia, nunca imaginaram a dimensão que o Poesia à Mesa ganharia com o passar do tempo, a ponto de hoje ser considerada um “festival literário”.
O Poesia à Mesa foi, sem margem para dúvidas, o pontapé de saída para a grande revolução cultural que aconteceu nos anos 2000 e que transformou a nossa cidade e conselho de forma indelével. Alargou horizontes culturais e criou hábitos de leitura e gosto em ouvir Poesia no povo sanjoanense, divulgou poetas nacionais e locais, apresentou estrelas do nosso panorama cultural, audiovisual e do entretenimento; levou a Poesia para locais onde ela normalmente não entrava, como foi o caso do nosso mercado municipal, incluiu social e cultural todas as camadas sociais numa dinamização cultural e numa transformação social sem precedentes na História do nosso concelho.
Vinte anos depois, urge fazer um balanço crítico sobre o sentido e a importância desta iniciativa – que sempre foi uma campanha cultural e não um “festival literário”, como o nosso actual executivo camarário passou a designá-la desde 2020. Se o Poesia à Mesa é um festival literário por que motivo não segue o exemplo do “Correntes D’Escritas” da Póvoa de Varzim e organiza palestras e conferências com poetas famosos, editores, divulgadores, diseurs e jornalistas ligados à imprensa literária nacional e internacional? Por que motivo não convida poetas nacionais e locais a irem às escolas e a outros espaços públicos para falarem de Poesia? Por que motivo não organiza uma feira do livro de livros de poesia de poetas homenageados, ou já homenageados, e de poetas do nosso concelho e arredores? Por que motivo não convida mais poetas locais e, principalmente nacionais, a apresentar os seus livros durante a sua existência?
Se o Poesia à Mesa é um festival literário por que motivo não divulga o prémio literário João da Silva Correia durante a sua vigência, permitindo, nessa altura, a apresentação da obra premiada e do seu autor, como aconteceu antes de 2017? E por que motivo só privilegia as associações cívicas da nossa terra a dizerem poemas dos poetas homenageados na peregrinação poética ao ar livre ou em espaços públicos municipais, desde 2010, e não abre esse direito à leitura poética a qualquer pessoa num café ou bar do nosso burgo durante a verdadeira peregrinação poética nocturna nos bares e cafés do nosso concelho, como aconteceu no passado entre 2003 e 2009? Que sentido faz o Poesia à Mesa dar palco apenas a figuras famosas do entretenimento nacional e desprezar os nossos poetas, diseurs e amantes da Poesia, confinados a uma tertúlia num espaço tão importante para a nossa cidade, mas mais formal e reservado, como a nossa biblioteca municipal?
Estas e muitas outras reflexões impõem-se fazer num momento como este, quando o Poesia à Mesa comemora a sua segunda década de existência. A iniciativa está consolidada e já faz parte da nossa identidade. Se quer chegar ao patamar de um festival literário que seja por mérito e por forma e não através de um simples acto administrativo, como eu tenho defendido e apresentado publicamente desde 2012. Espero que a médio e longo prazo atinja verdadeiramente esse estatuto e revele à nossa cidade e ao nosso povo uma visão mais alargada do seu futuro.
Formador, escritor e poeta.