Sociedade

“É primordial que os pais eduquem os filhos sobre os vários perigos da Internet”

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Filipe Moreira, vogal da Direção Regional do Norte da Ordem dos Psicólogos em entrevista ao jornal 'O Regional'

Jornal ‘O Regional” - Falamos muito dos perigos da Internet junto dos mais novos. A PSP realiza, a nível nacional, campanhas, os professores estão atentos e preocupados. Pergunto-lhe: e os pais também?
Filipe Moreira - Vivemos, atualmente, numa era em que o mundo digital não só é importante como necessário. E isto remete-nos para uma dicotomia entre o que é positivo ou excessivo. Estudos recentes mostram que os pais estão bastante preocupados com o uso abusivo da internet. Diariamente são trazidas preocupações às consultas como a dependência digital, o compartilhamento de informações pessoais, crianças com vocabulário em português do Brasil, as fakenews, o conteúdo ilegal e cyberbullying. Como o fenómeno estudado pode ser considerado recente, os pais podem ainda sentir-se desamparados e sem referências para educar os filhos neste assunto.
Embora mostrem mais preocupação, a verdade é que se têm evidenciado dificuldades de comunicação sobre o tema entre pais e filhos.  Muitos desvalorizam o assunto ou tendem a responsabilizar as escolas para abordarem estes temas com as crianças. É primordial que os pais eduquem os filhos sobre os vários perigos da internet. Embora possa parecer um assunto enfadonho, é importante que as famílias discutam regularmente a segurança online em casa. Que se mostrarem disponíveis para escutar as preocupações e responderem às questões.
É preciso conversarem, pesquisarem, lerem sobre o tema, mostrarem exemplos e acompanharem. Os pais devem debater com os seus filhos sobre como detetar um esquema de fraude, o que fazer se houver uma violação de dados, como agir perante situações de cyberbullying. Convém desmistificar que falar do tema não vai reforçar, mas, sim, evitar. Prevenir é sempre melhor que remediar.

A ligação ao mundo virtual mudou muito depois da pandemia. Passou mesmo a ser uma necessidade?
A verdade é que mudou muita coisa. A ligação ao mundo virtual passou a ser uma necessidade para trabalhar, estudar, conviver ou desfrutar de atividades de lazer. A Internet mostrou que pode ser uma ótima aliada e muito versátil. Ainda assim, tudo em exagero faz mal. Apesar de todas as vantagens e benefícios que o uso das tecnologias representa, os riscos que a sua utilização excessiva acarretou não devem ser ignorados.
Estudos mostram que a supervisão dos pais durante o período pandémico foi inferior ao período pré pandemia. Isto pode ser justificado com a mistura dos vários papéis que os progenitores tiveram de assumir. Trabalhar em casa, fazer as tarefas domésticas, acompanhar as aulas online, entre outros. Esta flexibilidade permitiu às crianças uma maior vulnerabilidade emocional devido à exposição facilitada. A verdade é que este modelo educativo permitiu retomar as aulas, mas quebrou muitas barreiras que, até então, definiam maiores limites à sua utilização.

Verificamos com facilidade uma tendência para o uso do telemóvel em vários espaços públicos, notícias que falam em burlas na Internet, relacionamentos, desaparecimentos… A sua experiência, o que lhe diz de tudo isto?
Tal como referido, o uso moderado e consciente não representa perigo. O problema é não saber dosear. É preciso sensibilizar que a vida social virtual difere muito da realidade. É evidente a alteração de alguns comportamentos sociais e fenómenos psicológicos devido ao uso facilitado pelos telemóveis. Horas excessivas diárias, exposição exagerada da vida pessoal, por exemplo, através das publicações de fotografias, a monitorização de colegas e (ex) namorados, a necessidade de autoafirmação através de perfis virtuais, podem justificar o aumento de burlas, desaparecimentos, relacionamentos abusivos e outras questões de saúde psicológica.
Com o acesso rapidamente disponível, confrontamo-nos com aspetos fulcrais sob o ponto de vista emocional e social. A dependência digital, percebida como um desejo irresistível de usar as redes sociais e a incapacidade de controlar a vontade do seu uso, aumentam a frustração e os comportamentos impulsivos. A irritabilidade, quando a Internet não está disponível e, em contrapartida, a satisfação e euforia quando se consegue aceder, remetem para sintomas semelhantes aos comportamentos aditivos e dependências.

Podemos referir também o isolamento?
Claro que sim. Podemos ainda apontar a sensação de isolamento. Pode parecer paradoxal, mas o uso em excesso pode levar a mais tempo dedicado às interações virtuais, logo, menos tempo presencial. Do ponto de vista relacional, isso acarreta consequências graves no desenvolvimento de competências intra e interpessoais. Por fim, alerto para a correlação entre este uso excessivo e diversas psicopatologias. O confronto com uma realidade virtual que quase sempre esbanja fortuna e felicidade utópicas pode levar a estados mais ansiosos e/ou depressivos.
O cérebro não possui a capacidade de digerir toda informação e tudo isso pode tornar-se um peso muito significativo. Sentimentos de frustração por não termos uma vida tão boa quanto a que vemos, a insatisfação dos nossos esforços constantes não serem suficientes, a competição silenciosa pelos likes e comentários afetam o nosso bem-estar psicológico e agravam sintomas ansiosos e depressivos.
É importante sensibilizar para a importância de atividades lúdicas, do exercício físico, dos momentos em família e amigos, da boa alimentação, das rotinas de sono, e de estratégias de autocuidado. Afinal, não há saúde sem saúde psicológica.

As tecnologias da informação com recurso à Internet fazem parte do quotidiano da maioria dos cidadãos neste mundo global e altamente tecnológico. Defende que os encarregados de educação deveriam saber as password’s dos telemóveis dos filhos?
Uma questão muito pertinente e que causa muita discussão. Claro que neste ponto é importante diferenciar a idade da criança ou jovem. Cada faixa etária representa singularidades que vão exigir dos pais diferentes posturas. Se falarmos de crianças mais pequenas, sim. Toda a criança precisa de regras para se sentir segura. As regras e os limites são fundamentais, pois saber até onde podem ir, colabora para que se sintam mais seguras e confiantes, promovendo o autocontrolo. A necessidade de definir regras e impor limites tem de ser acompanhada de uma coerência que sirva de modelo.
No que concerne aos mais velhos, fica mais difícil. Embora os jovens também precisem dessa segurança, começam os desafios da autoafirmação e formação da identidade. Neste ponto, é importante os pais mostrarem-se disponíveis para dialogar abertamente com os filhos, mas respeitando a sua autonomia. A tarefa passa por permitirem os jovens adquirirem as competências necessárias para identificar e evitar riscos, aumentar a consciencialização e a motivação para a utilização plena e segura da Internet.
Ainda que seja completamente compreensível que os pais não queiram que os filhos tenham medo em se ligar à Internet, é essencial que isso não signifique que adotem uma postura negligente quanto à sua segurança online. O equilíbrio é a peça-chave e uma criança informada é uma criança mais segura.

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