Opinião

fotografias com HISTÓRIA com fotografias - A epopeia de José Luís da Silva - I

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José Luís da Silva nasceu no lugar do Orreiro da freguesia de S. João da Madeira, em 30 de maio de 1877, filho de Domingos Luís da Silva e Margarida Emília da Soares.

Aos sete anos, seu pai matriculou-o na escola pública de S. João da Madeira, onde teve como professor Manuel Leão. Dois anos depois, foi para uma escola particular, da freguesia de S. Roque, que custava a Domingos Silva, à época escrivão do juiz de paz da freguesia, oitocentos reis por mês.
Um esforço financeiro que, à medida que os irmãos mais novos ficavam com idade de receberem a instrução primária, se tornava mais difícil de suportar. A situação piorou com o agravamento do estado de saúde de Margarida Emília.
Em 1891, às quatro horas da tarde do dia 13 de maio, José Luís e o seu irmão Francisco despediam-se da mãe, sem saberem que não a voltariam a ver.
Acompanhados pelo pai, pelo irmão Joaquim e por diversos amigos da família, foram a pé até ao lugar das Vendas, onde os dois rapazes, de 13 e 11 anos respetivamente, apanharam um carro do Marau, puxado por cavalos, que os haveria de levar à estação dos caminhos de ferro de Ovar. Era o início de uma longa viagem que só terminaria daí a vinte dias, no Rio de Janeiro.

A casa da família, no Orreiro

Por esse tempo, a emigração para o Brasil estava no seu auge. O fluxo de portugueses que abandonavam o país em busca de uma vida melhor, não parava de crescer. A maior parte deles dirigiam-se para os portos do Rio de Janeiro e de Santos, constituindo uma futura radicação de população urbana nas cidades do Rio e em S. Paulo. Outros demandavam portos do norte do Brasil, designadamente o de Belém do Pará. Para um e para outro lado, viajaram muitos sanjoanenses que integravam a leva de emigrantes do distrito de Aveiro, o que mais contribuiu para este movimento migratório, iniciado por volta de 1830.
Caracterizados pela sua entrega ao trabalho, sentido de poupança e particular inclinação para aproveitarem as oportunidades de negócios que surgiam, esses homens acabaram por prosperar e até enriquecer, a despeito do seu frequente analfabetismo e falta de recursos, à data chegada. Do negócio de venda a retalho de “secos e molhados” até à compra e venda por atacado, as atividades de construção, comércio e indústria estavam, na sua grande maioria, nas suas mãos. Esta circunstância fez com que estes portugueses se tivessem transformado em promotores da vinda dos seus familiares ou conhecidos, para os auxiliarem nos negócios que desenvolviam.
De Ovar, José Luís e Francisco viajaram para Lisboa, na companhia do “Sr. Moreira”, o engajador contratado por Francisco Soares de Lima, primo dos dois rapazes, proprietário de um negócio de “secos e molhados” e de uma “casa de pasto”, na rua das Laranjeiras, Rio de Janeiro. A travessia do Atlântico fez-se no paquete Patagónia, que chegou ao seu destino a 4 de junho de 1891.

Paquete Patagónia, na baía de Guanabara, Rio de Janeiro
(postal da época)

José Luís ficou a trabalhar com o primo e Francisco foi para outra casa de venda a retalho, “pertencente ao Sr. Mathias”, situada na Rua S. Jorge, perto do Largo do Rossio. A primeira carta enviada do Brasil para os pais, dando conta da forma como decorreu a viagem e dos primeiros dias de trabalho, vinha assinada com o nome José Luís da Silva Carneiro. A razão do acrescentamento, prende-se com o facto de na família existirem dois elementos – um tio e um primo – seus homónimos, algo que não o deixava confortável. Decidiu então, com a concordância do pai, adotar o apelido Carneiro que, afinal de contas, era a alcunha que lhe tinha sido atribuída pelos colegas da escola que frequentou, em S. Roque.
Durante cerca de um ano, José Luís da Silva Carneiro foi, como o próprio escreveu no seu livro de memórias, “caixeiro, indo de manhã ver o que os fregueses desejavam e depois vinha ao armazém aviar as encomendas que entregava com o respetivo caderno a cada um, onde se debitavam as mercadorias” transportadas por ele num carrinho de mão. De entre esses fregueses, havia um que José Luís muito apreciava. Chamava-se José Rodrigues Rainho, era natural de Águeda e tinha casado no Brasil. Entre os dois, criou-se uma empatia tal que, pouco tempo depois, José Luís era considerado quase um membro da família. “Esses fregueses tinham seis filhos com quem eu brincava muito. Eram três rapazes e três meninas, gostando imenso do João e da Eugénia, a mais velha, com quem eu simpatizava muito”.
Acabaram por se tornar namorados.
No início do ano de 1897, o patrão e primo, Francisco Lima, proibiu José Luís de frequentar a casa do sr. Rainho, alegando que ele estava ali para trabalhar e não para namorar. “Respondi-lhe que não deixaria de lá ir. ‘Ou deixa ou mando-o embora’. Pois então vou-me embora. E assim, em fevereiro, fiquei sem emprego”.

(Continua)

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