Opinião

Hortalices - O paraíso das pombas

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O Grémio é um lugar único, uma ilha agrícola em terra de fábricas, lojas, prédios e escritórios, sobrevivente dos tempos áureos da agricultura sanjoanense.

Há um portão enorme que se abre sobre o grande armazém. O telhado é alto e escuro. Pelo chão amontoam-se estranhas coisas: sacos, caixas, paletes, rolos de pano…   É ali o paraíso das pombas.
Entram à vontade, que a porta é larga. Investigam o refeitório, avançam com aquele caminhar de pêndulo de relógio, dão umas bicadas aqui outras ali e vão enchendo o papo.
Às vezes enganam-se e bicam algum grão de fosfato, azedo, mas corrigem o erro depressa. Se o senhor José ou o Filipe as enxotam, sobem ao teto e esperam. As pombas são bichos pacientes. Enquanto os anfitriões vão carregar algum saco ou atendem ao balcão, descem de novo e dão mais umas bicadas. Não são esquisitas, comem qualquer ração, mas a dos frangos é melhor, mais apropriada à sua condição avícola.
Estão os leitores a imaginar onde se passa esta cena? Estamos no “Grémio”, é assim que todos o conhecem, ainda que o nome oficial seja Cooperativa Agrícola da Feira, S. João da Madeira, Gaia e Espinho, com oito lojas espalhadas por estes concelhos. Fica mesmo ao lado da passagem de nível, bem perto da estação do Vouguinha. Além de paraíso dos pombos, é também o hipermercado dos hortelãos, lavradores, agricultores e ofícios correlativos. À esquerda da entrada, há um armazém de material de ginásio: enxadas, ancinhos, forquilhas, roçadouras, baldes, regadores e outros aparelhos de musculação.
A zona central, a tal dos pombos, está cheia de sacos: rações, adubos, estrumes, terra e, às vezes, árvores e vegetais para transplantar. À direita há uma pequena loja: sementes, bebidas, fruta e até algumas mercearias, especialmente produtos de outras cooperativas agrícolas. O balcão é habitualmente gerido pelo senhor Fernando, homem atencioso e sempre pronto a dar um conselho aos clientes.
O Grémio é um lugar único, uma ilha agrícola em terra de fábricas, lojas, prédios e escritórios, sobrevivente dos tempos áureos da agricultura sanjoanense. Não é por acaso que o brasão de S. João da Madeira apresenta, de um lado, uma fábrica e, do outro, um molho de cereal.
Aos sábados de manhã e em época de sementeiras, fazem-se longas filas à porta. Juntam-se ali os que não desistem da terra, os que gostam de ver os animais a crescer e as sementes a brotar do chão. Ali se trocam impressões e experiências, do crescente preço dos adubos e das rações, do cebolo que não vingou, da sementeira do milho, da estrumação das ervilhas, assuntos bem diferentes dos que encharcam a nossa quotidiana televisão.
As pombas, essas não têm dia certo para vir. Aparecem quando o papo começa a dar horas, não pedem licença a ninguém, entram por ali e servem-se. E, quando saem, não pedem a conta.

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