Opinião

Da pluralidade nasceu a maioria absoluta

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No rescaldo das eleições fala-se muito sobre transferência de votos. E insiste-se no simplismo de achar que grupos de eleitores decidem, acrítica e uniformemente, passar em bando de um partido para o outro.

Ora, não há nenhuma base empírica para tais conclusões. Cada eleitor, em cada eleição, e em cada momento, vota de acordo com um quadro plural de justificações morais e políticas, que se sobrepõem quando as convoca para a sua decisão. Votam por uma ou mais razões. Daí que as análises políticas a que temos assistido sejam infundadas e pobres, muito marcadas por dualismos, dialéticas e maniqueísmos, em grande medida filiadas no pensamento político e filosófico do século XIX.
Até muito recentemente, ouvíamos que o declínio dos partidos social-democratas (leia-se social-democracia europeia, onde não se inclui o PPD-PSD), nas duas primeiras décadas do século XXI, tem resultado numa transferência de eleitorado trabalhista para a extrema-direita. As eleições em Portugal e um estudo recentemente apresentado pela Fundação Friedrich Ebert, intitulado “Left Behind By The Working Class?”, comprovam que tal conclusão está errada, apesar das aparências ilustradas pelo Alentejo. Sem olharmos para além da ilusão das aparências, não compreenderemos a maioria absoluta do PS – nem iluminaremos o futuro que se lhe oferece.
Com algum atrevimento tático, essa tese acrescentava que tal resultaria das cedências de alguma esquerda à chamada Terceira Via. Ou, noutros casos, ao aprofundamento de políticas identitárias, descontextualizadamente importadas da esquerda americana. Em resultado disso, ter-se-ia abatido um sentimento de orfandade sobre um enorme exército de trabalhadores, uniforme, industrial, masculino, de meia-idade, pouco qualificado, autóctone, com tendências de autoritarismo (do “pai de família”) e nacionalistas/patriotas (à falta de melhor paz de espírito alienante).
Esse mundo reformou-se - literalmente. Há cada vez mais mulheres e imigrantes no mundo do trabalho, culturalmente heterogéneo, e com maior autonomia e liberdade graças ao Estado Social. Essa autonomia reforçada liberta um sentido crítico que permite ser mais liberal relativamente a temas como a imigração e direitos LGBT. Por outro lado, o estudo em causa revelou que são muito poucos os trabalhadores que votam na direita radical. Aliás, numa das sondagens publicadas antes das últimas eleições (DN/TSF), passou despercebido o facto de, quer PCP, quer Chega, não ter praticamente nenhuma intenção de voto nas classes mais desfavorecidas.
O que realmente parece explicar o declínio da social-democracia europeia, segundo o estudo, é a transferência de eleitores para partidos Verdes (que em Portugal corresponderia ao PAN e Livre e, em certa medida, ao BE – dispenso-me de incluir a fraude oportunista d’Os Verdes...) e sociais-liberais (correspondendo, até certo ponto, à IL, e ao que poderia ser o PSD com uma liderança modernizada). O estudo revela ainda que a capacidade de os partidos do centro-esquerda reterem apoio social aumenta quando protegem o Estado Social, a União Europeia e o progressismo cultural – e que o seu apoio diminui, quando se tornam mais cinzentos e nacionalistas.
Tudo indica que reside aí o sucesso eleitoral do PS. Entre a defesa intransigente do Estado Social (placando avanços de BE e PCP), um europeísmo historicamente convicto (travando apetites do Livre) e um liberalismo social inegável (segurando eleitorado ao centro e indefinido), o PS é hoje o partido mais plural da política portuguesa. Resta-lhe o desafio e a responsabilidade de conciliar essa pluralidade com o exercício do poder democrático em maioria absoluta.

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