Opinião

Carta aos (potenciais) eleitores do Chega

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Alguns dos destinatários desta carta são meus familiares ou amigos próximos. E quero com esta carta convidar-vos a não votar no Chega nas próximas eleições. Começo com uma citação: “A maior parte dos golpes mortais que esta sociedade tem sofrido devem-se à maioria destes intelectuais, formados em universidades, que sempre se consideraram (...) como extraordinários, dizendo sempre coisas (…) que apenas os seus amigos intelectuais conseguem compreender, independentemente do povo os compreender ou não.”
Esta frase poderia ter sido proferida pelo candidato presidencial francês Éric Zemmour, durante o seu último comício eleitoral, marcado pela violência racista e pelo lema “Reconquista”. Ou por André Ventura, no seu Congresso com o lema “Deus, Pátria, Família, Trabalho”. Na verdade, trata-se de um excerto de um discurso proferido pelo Aiatola Khomeini, pouco tempo depois da revolução islâmica no Irão. É por isso avisado relembrar que destes fundamentalistas populistas apenas podemos esperar violência política, intolerância, ignorância, sofrimento, injustiça e opressão. Alguns de vós viveram esse fundamentalismo antes do 25 de Abril. E, também, antes do 25 de Novembro.
Sei bem que algumas elites preferem atacar pessoalmente estes políticos, ignorando as razões por que são apoiados. Por vezes em tom de chacota e, quase sempre, impregnadas de classismo. Por exemplo, nas últimas eleições autárquicas, não faltaram paródias sobre candidatos menos instruídos, pouco qualificados, e com pronúncias raras no espaço público.
Esse classismo jocoso contribui para uma mistura perigosíssima. Ele desconhece o cansaço de quem lida com a violência simbólica e linguística durante uma queixa nas finanças. Ignora quem é repetidamente humilhado e oprimido pela máquina burocrática da segurança social. Negligencia os milhares de jovens contratados pelas grandes superfícies em condições contratuais vergonhosas. E desconsidera quem continua pobre, apesar de uma vida de muito trabalho duro. Enquanto isso, glorificam-se exemplos de “sucesso” social e económico baseados em chico-espertismo e compadrio, por vezes exibido sem pudor, sob o manto falso do mérito.
Esse constante gozo de quem está, e de quem tem, misturado com um profundo sentimento de impotência de quem não está, e de quem não tem, é uma receita para o desastre. E assim se consolida entre vós uma ideia perigosa: uma vida de maior virtude social e comunitária, de quem procura estudar mais, pagar os seus impostos e ser um cidadão cumpridor, parece apenas resultar em pobreza, em asfixia fiscal e em exclusão social e política.
É por isso natural que muitos de vós considerem apoiar oportunistas como Khomeini, Zemmour ou Ventura, em busca de um sentimento de libertação, de emancipação. Mas esse é um caminho fácil que apenas libertará os demónios que todos temos dentro de nós. Quantas mais vezes na história iremos dar poder a quem infligirá medo, promoverá ódio pelo outro, imporá intolerância pela diferença? Se já chega de alguma coisa, é precisamente disso.
O outro caminho é mais exigente. O caminho de uma cidadania ativa e exigente. Confrontem quem durante as últimas duas décadas ocupou os debates públicos e quem governou a coisa pública. Lembrem-lhes que eles são os responsáveis pela ascensão de um eleitorado cansado, zangado, frustrado, sofrido, empobrecido e embrutecido. Exijam-lhes melhor gestão dos recursos públicos, mais prestação de contas pelo que prometeram, maior respeito pelas gerações vindouras e mais intransigência com compadrio e corrupção. Escrevam e telefonem aos vossos deputados. Digam-lhes o vosso nome. Contem-lhes a vossa estória de vida. Convidem-nos para encontros com vizinhos e família. Façam deles os vossos deputados e não os deputados do aparelho partidário. Inscrevam-se nos partidos políticos democráticos e tolerantes que, pela positiva, querem um país melhor, cada um à sua maneira.
Vão às sedes partidárias, candidatem-se, apresentem ideias, combatam as desigualdades, rejeitem o compadrio. Governem as vossas comunidades com os vossos representantes. Sobressaltem-se. E remetam os populistas e oportunistas para o seu lugar na história: o passado.

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