Portugal é hoje um exemplo na Europa e no mundo em matéria de vacinação. Os portugueses sé se podem orgulhar. A população deu um exemplo notável de maturidade e responsabilidade, confiando na ciência e acreditando nas vacinas. O Almirante Gouveia e Melo deu um exemplo fabuloso de capacidade, profissionalismo e liderança na condução de um processo sensível e complexo. Os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, foram notáveis em dedicação e competência, reafirmando a grande mais valia que é o nosso SNS. O resultado é impressionante: em menos de nove meses temos o país quase todo vacinado. Fizemos melhor que grandes países que normalmente são nossas referências – os Estados Unidos, o Reino Unido, a Alemanha, a França ou a Espanha. No início do ano ninguém acreditava que este “milagre” fosse possível.

A questão que agora se coloca é esta: se fomos tão bons na vacinação, por que é que não somos igualmente bons noutras áreas da vida nacional? Pensemos na economia: há mais de 20 anos que temos crescimentos económicos medíocres. Nas últimas décadas houve cinco países europeus que nos ultrapassaram no ranking da criação de riqueza. Já estivemos ao pé da bancarrota e precisámos de ajuda externa. Temos, por força de tudo isto, salários baixos, empregos precários, famílias que não conseguem subir na vida. Por que é que não conseguimos ter sucesso na economia? E o que dizer da gestão das empresas? Temos excelentes empresas, bem geridas, sólidas e seguras. Mas temos várias outras que são péssimos exemplos. Grandes e pequenas. No sector público e privado. Basta pensar no desastre do BES, do Banif, do Banco Privado, do BPN, da PT. Um panorama assustador, que mistura incompetência, má gestão e corrupção. E o que dizer de muitas áreas da nossa Administração Pública? Há administração pública de excelência, é verdade. Mas é residual. Temos funcionários públicos competentes e dedicados, sem dúvida. Mas o que mais sentimos habitualmente não é bom nem é bonito – burocracia a mais, atrasos a mais e complicações a mais. Uma dor de cabeça para pessoas e empresas.
Temos um sério dilema pela frente. Por que é que temos sucesso na vacinação e falhas em tantas outras áreas? Os portugueses não são os mesmos? O sucesso da vacinação ajuda-nos a perceber o dilema. Aqui , na vacinação, houve liderança profissional, o que escasseia em muitos outros sectores. Aqui houve capacidade de planear e decidir, o que não é um hábito muito português. Aqui houve organização, requisito que não abunda num país que cultiva o padrão de “desenrascanço”. Aqui houve transparência de processos, o que contrasta com tanta opacidade e falta de fiscalização noutras atividades. Aqui, a politiquice, a partidarite e a cultura do favor ficaram à porta e não contaminaram a mobilização nacional. Não era mau aproveitar esta oportunidade para reflectir, aprender com os bons exemplos e começar a mudar de vida. Afinal, a força do exemplo vale mais que as melhores leis do mundo e que os discursos mais inflamados do planeta.