Opinião

No caminho de Santiago

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Em ano de jacobeu, quando o dia de S. Tiago coincide com o domingo, como aconteceu no passado dia 25 de julho, tive vontade de percorrer de novo o caminho para Santiago de Compostela. Desta vez seria em viagem relâmpago de automóvel, apenas para marcar presença na coincidência e para passear pelas ruas da cidade galega.
Em 2016, fiz-me ao caminho, andando por trilhos.
Como em vários anos, trabalhei até à véspera de arrancar, necessitando de todos os recursos, disponibilizados pela firma, para terminar o programa de produção e entregar em prazo útil as encomendas aos clientes. Uma reincidência antes da época estival, estranhando-se quando não acontece.
7 da manhã estava com a família em Valença do Minho. Fotografia da praxe para assinalar o momento, colocar as mochilas às costas, agradecer a boleia e marcar o reencontro para cinco dias depois.
Primeira etapa até Porriño. Tempo previsto 4 horas de marcha. Principal obstáculo: o final do percurso com uma enorme reta em zona industrial, sem sombras, a ser percorrida a horas de imenso calor. Este era o principal conselho recebido, ou retido, além do pouco peso para a mochila, apenas roupa leve, um pequeno agasalho, um bom par de sapatilhas e uns chinelos para o descanso. Poucos mantimentos e sobretudo, acautelar a água.
Rio Minho atravessado.
Sem mapas, seguimos as setas amarelas, sem questionar as indicações. Nas bifurcações bastava avistar atempadamente os símbolos de Santiago, os azulejos azuis, com as variadas marcações a amarelo contrastando. Na primeira oportunidade, estrategicamente colocada após uma hora de marcha após Tui, o prazer do café matinal. Bebido numa curiosa venda, em quintal doméstico, na qual a aquisição do cajado e vieira tornou-se obrigatória para nos assemelharmos aos peregrinos.
Quem por nós se cruzava, saudava-nos com um incentivo: bom caminho, traduzindo para português. Quem tinha ritmos de marcha diferentes, ou já caminhava com dificuldade, quando era ultrapassado cumprimentava os restantes da mesma forma. Era impossível ficar indiferente e a iniciativa do cumprimento apoderou-se do nosso pequeno grupo.
Antes do desterro da mencionada reta, atravessamos um belo bosque, com árvores seculares e frondosos ramos sobre um pequeno riacho, que se desviava das pedras do seu leito. Impossível ficar indiferente à tranquilidade oferecida por aquele enquadramento natural.
Este momento de deslumbramento pelo contacto sensorial com a natureza não foi o único. As saídas das cidades proporcionaram momentos semelhantes. Sair de Pontevedra, subindo até ao planalto e percorrer o seu silêncio, mesmo com uma manhã bastante quente, com vegetação rasteira, foi outro dos momentos marcantes do caminho de Santiago.
Na véspera, o dia de chuva não permitiu desfrutar da paisagem sobre as Rias. Por mais que subíssemos, as nuvens estavam demasiado baixas e a visibilidade era reduzida. Como muitos, caminhamos horas a mais sob a chuva galega e a longa extensão da etapa, não foi desfrutada da melhor forma. Nem Redondela, nem os seus petiscos, nos encantaram. Só depois do almoço, mais secos, após percorrer um trilho ingreme, trepando de calhau em calhau, é que foi possível encontrar ânimo. A superação estava atingida e satisfação pelo feito alcançado, seria importante para encarar os dias seguintes
Percorrer Pontevedra, atravessando ruas e praças vazias, não apenas por ser madrugada, mas por a cidade ter optado por uma extensa zona pedonal, mais vocacionada para outros horários, foi o inicio da terceira etapa. Mais curta, com paragem ao fim de vinte quilómetros, para descanso e banhos em Caldas de Reis. Nesta fase, qualquer descanso era bem-vindo e recordo-me de já deitado tentar assistir ao início dos Jogos olímpicos do Rio de Janeiro e nem resisti à primeira comitiva a desfilar, fechando os olhos ao fim de poucos segundos.
Padron foi o final do quarto dia de percursos. O dia aqueceu. A temperatura chegou aos 37º e a hora de almoço foi passada debaixo dos plátanos à beira rio, comendo obviamente os pimentos caraterísticos desta povoação. Havia necessidade de percorrer mais alguns quilómetros para chegar à hospedaria e o calor infernal tornou o percurso demasiado penoso. O corpo começava a demonstrar os sinais de cansaço. Nos pés apareciam bolhas, ou calosidades, ou as unhas a prepararem-se para sair, apesar do bom calçado. Ainda assim, no final descobri que uma das solas das minhas sapatilhas tinha ficado com um singular buraco.
No dia seguinte, última etapa até Santiago de Compostela. Seriam poucos quilómetros. Rapidamente se avistou a cúpula da catedral e a partir daí ficou a sensação de o objetivo estar cumprido. Regressar ao grande espaço urbano foi super estranho e um grande contraste com os dias anteriores. O reboliço do trânsito, os sons da cidade, as esplanadas cheias com o burburinho de vozes galegas.
O calendário voltava a fazer sentido. Era domingo, dia de regresso. Já não era um dia qualquer, em que o único pensamento era percorrer quilómetros e apreciar as paisagens, conhecer novas povoações, ver os monumentos e outras intervenções do Homem e falar com desconhecidos, recebendo ou dando conselhos, tentando ajudar quem estivesse com as mais variadas dificuldades, ou simplesmente conversando.
Passados estes anos, o interesse pelo caminho português de Santiago manteve-se. A ideia dos municípios, a norte da cidade do Porto, de traçar um percurso pela costa atlântica, seduziu-me. Estendi a expedição até à costa vareira e palmilhei os passadiços, ou os largos passeios à beira mar tendo alcançado o cubo que carateriza a ribeira portuense.
Um novo desafio está traçado, resta saber quando irá começar.
A todos umas boas férias.

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