Sociedade

A pandemia mudou-lhes a vida

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O isolamento imposto aos idosos que vivem em lares, devido à pandemia de covid-19, veio agravar o seu dia-a-dia, trazendo solidão, tristeza e receios, e agravou, em muitos casos, a saúde mental. Fomos conhecer histórias de quem viveu esta realidade.

Com as marcas do tempo no rosto, parte dele tapado com uma máscara, os idosos da Santa Casa da Misericórdia de S. João da Madeira foram sempre a prioridade da instituição que, desde cedo, os tentou proteger de um vírus, que também chegou à cidade, e que ali entrou sem avisar. Fechados em quatro paredes, estes homens e mulheres, com inúmeras histórias para contar, viram-se, de um dia para o outro, abraçados com a dor da solidão. Acredite-se, ou não, estarem sozinhos nesta etapa das suas vidas tem sido o maior dos “fantasmas”.
“Não queria ser velhota”, disse Esmeralda Mesquita. Levou as mãos à cara, a esconder uma certa vergonha do que tinha acabado de dizer. “Já são 89 anos. Por vezes, pergunto-me o que ando cá eu a fazer”. Está na instituição há 16 anos. Não esconde a ansiedade vivida durante longos meses, que afetou, de uma forma ou de outra, quem vive e trabalha na instituição centenária. “Não consigo descrever o que ainda hoje sentimos, por aquilo que passámos, a liberdade que o vírus nos roubou e que nos atirou para dentro de um quarto durante muito tempo. Só quero que o mal acabe. É um castigo muito pesado”, enfatiza.
Esmeralda foi uma das utentes que contraiu o vírus. Não necessitou de grandes cuidados. Esteve no isolamento com outras pessoas, mas nunca sentiu sinais da doença. O vírus chegou sem avisar à Misericórdia. Inicialmente, pensou tratar-se de algo que exigia só cuidados básicos. Só ao fim de várias semanas é que comparou este vírus à gripe espanhola que matou milhares de pessoas. Esmeralda, a determinada altura, queria sair da bolha do isolamento. Vir para o jardim. Respirar. Queria abraçar os dois filhos, pois os amigos já são poucos. Alguns foram morrendo. “Com a pandemia, passei a pintar mais, a desenhar e a ver menos notícias, para não estar sempre a pensar no mesmo”. De uma coisa tem a certeza: “Fomos sempre muito bem tratados e acompanhados aqui dentro por todos. Nunca nos faltou nada”, disse convicta.
Nesta altura, olha para trás e vê as diferenças. “A pandemia trouxe-me fraca mobilidade. Já arrasto um pouco os pés e, por vezes, necessito de ajuda para me levantar, pois, por vezes, desequilibro-me”. Esmeralda Mesquita lamenta que os números da pandemia continuem a aumentar, assumindo que o coronavírus já dura há muito tempo. “Temos que respeitar. Sair o mínimo possível até isto acabar”, lamentando que sejam as pessoas da sua idade a pagar a “fatura maior”, já que estão mais expostas “à solidão”.
Alda Neves, com 84 anos, e a viver na instituição há cerca de um ano, agora que já foi vacinada, revela qual o seu maior desejo: “Gostava que este maldito vírus acabasse, pois está a dar cabo do mundo”. O seu rosto é conhecido, pois esteve à frente de uma ourivesaria na cidade. Veio para a instituição porque uma doença assim o obrigou. As pernas e os joelhos começaram a falhar. Agora depende de uma cadeira de rodas para se deslocar. “Isto, com a fisioterapia, vai lá. Gosto muito de aqui estar, tratam-me muito bem”, mas “junto da família e em nossa casa é outra coisa”, assume.

Ar­tigo dis­po­nível, em versão in­te­gral, na edição nº 3852 de O Re­gi­onal, pu­bli­cada em 15 de julho de 2021.

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