Logo que iniciamos o ato de escrever começam as memórias a aflorar o nosso cérebro, quanto mais não seja pelas palavras que vamos passando para o papel. Depois o esforço da construção de algo que valha a pena para os nossos leitores, que os faça também recorrer à própria memória, que os faça sorrir, que exclamem um Ah! ... Que os faça dizer “É pá! Também passei por estas situações...”. Mesmo que aqui não descreva nenhuma história, só o fato de escrever memórias, já dá para que toda a gente tenha construída as suas próprias memórias. Só uma pequena ajuda... Temos as ditas memórias coletivas, a nossa história com muitas outras pequenas histórias que nos contavam para que o coletivo não se perdesse. Nos dias que correm, com algum pessimismo, começo a temer que mais uma vez o nosso coletivo se perca e o egoísmo cresça e a humildade desapareça.
Hoje faço uma viagem ao mundo da criança que fui, e com os meus amigos nos reuníamos para combinar o que fazer nos dias que tínhamos pela frente. Se estava calor, o rio Mondego era uma forte hipótese. Mas a viagem até lá teria as suas peripécias, desde armar as armadilhas para os pássaros (popularmente conhecidos em Coimbra como costelos) para no regresso do rio termos uns passarinhos para o lanche. O armar dos “costelos” tinha que se lhe diga: primeiro tínhamos de ir aos campos de milho tirar um bicho que se encontra no pé do milho, um bicho branco, lindo! Depois atávamos o bicho ao “costelo”, Este bicho era o chamariz para os pássaros, que ao tentar comê-lo desarmavam o “costelo” e lá ficavam presos. Ainda no milheiral. Aproveitávamos para tirar a barba do milho para as nossas experiências como fumadores. Na época existia duas marcas de cigarros, para além, claro, das ditas barbas de milho, os Provisórios e os Definitivos. Nós, em tom de brincadeira, até dizíamos: “Mais vale fumar Definitivos provisoriamente, do que Provisórios definitivamente e.” Quando chegados ao rio, para além de uns grandes mergulhos, havia no nosso grupo especialistas na apanha de peixe na toca. Sempre se conseguia dois ou três peixes que logo ali serviam de nosso almoço. No regresso tratávamos da sobremesa através dos campos que íamos passando, desde suculentas laranjas, tangerinas, amoras, etc. Felizmente, sempre tínhamos as frutas da época! Os donos só nos pediam para que não estragar...

Recordo como eram saudáveis as nossas amizades! Não haviam barreiras para a nossa imaginação!... Desde a construção dos nossos carros de rolamentos até aventuras com papagaios de papel.... As noites... outras aventuras!!! De noite todos os gatos são pardos, era uma espécie de invisibilidade. Todos tínhamos uma alcunha. A minha era “Malícia”... Ainda hoje, quando vou aos Olivais me reconhecem por esse nome. Devo esse nome a um jogador de futebol da Académica, pois tínhamos a mesma cor de cabelo... ruivo!
Ao lerem estas minhas palavras, tenho a convicção de que o vosso pensamento vos levou até à vossa infância... Para terminar... para além dos cigarros terem sido uns compinchas em determinados períodos da minha vida, já vão para cerca de vinte anos que não pego em nenhum.
Esta semana, na música, uma viagem aos blues com Gary Clark.
Nos livros, “Andar a pé – um interior de sabedoria e liberdade”, de Henry David Thoreau.
Amigos, fiquem bem!