Opinião

Cumprir a habitação como direito social

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Na sequência do 25 de abril de 1974, sobretudo com a criação do SNS e a constituição de uma rede pública de estabelecimentos de diferentes níveis de ensino, Portugal alcançou enormes progressos no acesso de todos à saúde e à educação, traduzindo no concreto o tardio reconhecimento constitucional dos mais elementares direitos sociais.
Igualmente consagrada na Constituição de 1976, no seu Artigo n.º 65, a habitação não teve, contudo, idêntico relevo em termos de políticas públicas, nomeadamente ao nível da promoção direta por parte do Estado, que praticamente se limitou a responder, e mesmo assim de forma insuficiente, às situações de maior carência.
Ou seja, ao passo que na saúde e na educação os princípios de universalidade e de acesso gratuito foram relativamente cumpridos, no caso da habitação o papel do Estado, em termos de provisão direta, nunca deixou de ser socialmente minimalista e politicamente residual. A evidenciar esse facto, Portugal tem hoje um parque habitacional público a rondar os 2%, um dos mais baixos da Europa.
Ao longo das últimas cerca de quatro décadas, e para além do reduzido significado em termos orçamentais, as políticas de habitação privilegiaram claramente as lógicas de intervenção através do mercado, concedendo apoios à promoção privada ou às próprias famílias, como sucedeu no caso da bonificação do crédito para aquisição de casa própria, a partir de meados da década de oitenta do século passado.
Se é verdade que estas políticas, assentes na intervenção através do mercado – e ao contrário do que sucedeu na saúde e na educação –, permitiram a muitos agregados aceder à propriedade da sua casa, delas resultou também um duplo efeito: subsidiando o mercado, impediram por um lado a descida dos preços dos alojamentos e, por outro, a expansão do parque habitacional público, cuja dimensão é essencial para a regulação do mercado.
É por isso que a Nova Geração das Políticas de Habitação (NGPH), aprovada em 2018, constitui não só uma resposta robusta e transversal às questões da habitação no nosso país como representa, em termos de reforço da promoção pública direta, um momento de rutura com as políticas seguidas ao longo das últimas décadas. De facto, o reforço do parque habitacional público constitui o objetivo central desta nova abordagem, a concretizar fundamentalmente através do Programa 1º Direito, que visa responder às situações de habitação indigna que persistem (e que afetam, pelo menos, cerca de 26 mil famílias) e da constituição de uma Bolsa de Imóveis (terrenos e edificado), orientada para o aumento do arrendamento público a preços acessíveis, que permita responder às necessidades de segmentos da população com rendimentos intermédios.
Nunca é demais sublinhar que o papel do Estado na concretização de direitos sociais se justifica não só pelo imperativo de garantir a todos o acesso a esses mesmos direitos (universalização), mas também pela necessidade de os retirar das lógicas do mercado (desmercadorização), incapazes que são de assegurar a universalidade no acesso, como demonstra, de forma lapidar, o caso da habitação. E é por isso que a NGPH, ao apostar no reforço da oferta pública, constitui uma clara mudança de paradigma no setor.

 

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